Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Novo espetáculo do La Fura dels Baus parece dinâmica de grupo

O grupo catalão La Fura dels Baus ficou fofo. E fofo ficando perdeu o foco da enfurecida ira furadora que dá o nome à trupe furibunda. De furão não tem mais nada. Foi o que se viu nas cinco apresentações em São Paulo, no ginásio Mauro Pinheiro. E agora segue para o Rio de Janeiro para outras cinco no Armazém da Utopia, em Santo Cristo. Ok, ok, nome sugestivo para algo que provoca engulhos.

Chama-se "M.U.R.S." o novo show. O nome remete aos muros invisíveis que erigimos. Promete misturar tecnologia e interatividade, colocando o público no centro do palco e revestindo tudo isso com adrenalina e profundidade.

Papo furado. Faz o pobre mortal ter dúvidas sobre se entrou em um programa de auditório ruim, uma gincana escolar ou uma dinâmica de grupo. Mas é grátis, fique tranquilo, patrocinado por você mesmo na figura de seu representante, o Ministério da Cultura, e uma marca de cartões de crédito. Na prática você só perde tempo. E a grana da cerveja.

Divulgação
Cena de 'M.U.R.S', do grupo La Fura dels Baus
Cena de 'M.U.R.S', do grupo La Fura dels Baus

Tudo começa com um app. Claro, modernidade só se for com app. Mas não seja otário. É coisa pra inglês ver. Instala-se a geringonça, lenta que só, e o app fica instigando o vivente a consumir cerveja. O coitado imaginava ter entrado em um espetáculo transgressor, revolucionário, praticamente europeu. Ou quase tudo isso junto.

Mas não. Leva-se o espectador de um lado para o outro guiado por texto ruim nos alto-falantes, efeitos visuais duvidosos em cena e um app colorido. A parte sonora ainda é o forte do Fura dels Baus, mas queda no vazio da falta de substância do show.

É preciso fazer um vide bula rápido. O Fura nasceu em 1979 e chegou pela primeira vez ao Brasil em meados dos anos 80 com o espetáculo "Suz/O/Suz". Este, sim, fazia jus ao nome: espetáculo.

Pedaços de carne de boi voando de um lado para o outro, bolas de farinha espocando no peito dos espectadores, baldes de água cortando o ar, um maluco com uma marreta e outro com uma serra elétrica correndo atrás de você. Depois fez sucesso na abertura da Olimpíada de Barcelona, em 1992.

De lá pra cá parece ter virado uma S/A com o objetivo de aumentar o faturamento da trupe ou ter permitido a criação de uma franquia por um grupo de desavisados, que se apropriou do nome e da indumentária dos Furas originais para desfrutar de fama e fortuna. Perdeu-se o controle do DNA.

O Fura não tem mais a postura artística da insolência e do atrevimento. Parece programa de TV de classe média, um algo qualquer, irrisório. Pior, não tem mais nem a veia catalã nem a inteligência que o projetou. O grupo cedeu à mundialização da cultura, que destroça e pasteuriza.

Calma, tudo tem saída. Sente aí e aguarde a pecinha de Natal do Fura. Deverá ser algo mimoso, seguindo a atual tradição do grupo. Quem sabe juntos abracemos árvores e pentearemos a barba do Papai Noel para depois jurarmos amor eterno neste momento em que o mundo encareta a obviedades largas. Sempre com um app à mão.

M.U.R.S.
QUANDO sáb. (19) a ter. (22), às 20h
ONDE Armazém da Utopia, Orla do Conde, Armazém 6, Rio, tel. (21) 2516-4893/ 4857
QUANTO grátis mediante reserva neste site
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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