Folha de S. Paulo


Mexicano Héctor Zamora abre em São Paulo sua primeira retrospectiva

Héctor Zamora é uma presença incômoda. E, ao mesmo tempo, um artista ausente. Seus trabalhos não raro entram em choque com o lugar onde estão, mas ele nunca está em primeiro plano.

Mesmo antes da abertura da Bienal de Veneza, há sete anos, a cidade estava tomada por seus cartazes anunciando um suposto festival de dirigíveis que sobrevoariam os canais. Um vídeo surreal postado por ele no YouTube mostrava zepelins deslizando pelos ares sobre a praça San Marco.

Sua montagem causou comoção entre curiosos perguntando pela chegada dos balões de mentira. No Arsenale, onde fica parte da mostra, Zamora plantou uma única e enigmática evidência -um dirigível murcho, prensado entre as paredes de pedra de um beco, como se caído do céu.

Divulgação
Cena do filme 'Sciame di Dirigibili', de Héctor Zamora, agora em mostra no CCBB
Cena do filme 'Sciame di Dirigibili', de Héctor Zamora, agora em mostra no CCBB

Outra queda está por trás de seu novo trabalho. No átrio do Centro Cultural Banco do Brasil paulistano, onde o mexicano faz agora sua primeira retrospectiva, está uma enorme mesa coberta de livros pretos.

Numa performance, eles tiveram as páginas arrancadas e arremessadas dos três andares do museu como uma chuva negra. Depois foram remontados e empilhados ali pelos 150 atores da ação, numa espécie de reparação de danos.

Mas alto-falantes ao redor ainda tocam o som do farfalhar das páginas rasgadas, reavivando o trauma ausente, maquiado. Noutro andar, um vídeo meio escondido reprisa a ação. As obras de Zamora, aliás, sempre operam no limite entre ver e não ver, superfícies arquitetadas sobre memórias sombrias, enganosas.

"Gosto da ambiguidade e de como a verdade pode ser manipulada. Tento criar uma marca na história com algo ficcional", diz o artista. "Rasgar um livro tem uma conotação de protesto. Essa é uma obra pensada como uma reação ao que está acontecendo agora no Brasil e no mundo."

MARRETADAS NO MAR
Zamora, que nasceu em 1974 na Cidade do México, passou dez anos em São Paulo e hoje vive em Lisboa, vem se firmando como nome forte de uma cena artística em trânsito, que ignora fronteiras, daí o interesse em mergulhar numa investigação plástica sobre a onda conservadora -e violenta- que varre o planeta.

Meses depois dos atentados de Paris, ele levou barcos ao Palais de Tokyo, centro cultural na capital francesa, e pediu que trabalhadores destruíssem as embarcações a marretadas, ação furiosa agora revista em vídeo no CCBB.

Era a adaptação de uma performance anterior, em Lima, onde Zamora havia se inspirado num protesto de pescadores contra medidas do governo. Mas ele logo soube que há um barco no brasão de Paris, terra inabalável, diz o lema, mesmo em meio a maremotos.

Menos controlado e mais selvagem, o ato da destruição dos barcos reforça uma vertente que vem aflorando na obra do artista nos últimos anos.

Zamora, que primeiro chamou a atenção da crítica com obras de matriz construtiva, referências ao concretismo, foi dissolvendo a geometria e incorporando nela a presença da força física, em especial o trabalho braçal de operários como os que destroçaram os botes em Paris ou aqueles escalados para arremessar tijolos numa galeria paulistana.

"É a ideia do trabalhador que passa a fazer parte da obra", diz Jacopo Crivelli Visconti, que organiza a mostra. "Mas tem uma relação com a geometria o trabalho manual."

No caso, o tijolo, visto por Zamora como escultura minimalista que pode se desdobrar em possibilidades plásticas, é um elo desses dois lados de sua obra, entre as esculturas estáticas, de pegada geométrica, e performances enérgicas.

"Isso marca o momento em que eu deixo o formalismo num segundo plano para entrar no terreno do social", diz o artista. "É como um poema que só pode ser declamado por meio da ação. Meus trabalhos saem das minhas mãos, perco o controle sobre eles. Eles só dão certo quando começam a ter vida própria."

HÉCTOR ZAMORA
QUANDO de qua. a seg., das 9h às 21h; até 2/1/2017
ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651
QUANTO grátis


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