Folha de S. Paulo


Crítica

Memórias de Amy Schumer brilham em sua contradição

Como pode alguém fazer um livro tão engraçado e tão chato ao mesmo tempo? Como classificar um amontoado de vexames narcísicos hilários, impressões extremamente inteligentes e irônicas sobre a miséria humana... e longos parágrafos bobos de autoajuda ao estilo "se ame para ser amado"?

Assim como "Descompensada", filme escrito e atuado por Amy Schumer, seu livro nos proporciona uma montanha-russa de expectativas. Ambos são muito irregulares, unindo cenas espertas a desfechos fofos e clichês.

"Ela parece doida mas só quer ser amada" é a mensagem que sempre retorna para estragar tudo. Quando você está quase embalado na potência Woody Allen (ou até mesmo Bukowski) do texto, a doce Amy de um tolo e juvenil diário cor-de-rosa aparece e põe tudo a perder.

Matthew Peyton/Divulgação
NEW YORK - DECEMBER 3,4,5: Inside Amy Schumer Production Photos on December 3,4,5, 2012 in New York City. (Matthew Peyton) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
A atriz e roteirista Amy Schumer lança livro autobiográfico

Logo no começo, uma decepção: apesar do maravilhoso humor judaico, Amy sente culpa como uma católica fervorosa. Ela se dedica a explicar que não é uma vagabunda. Deixa claro que só fez sexo casual uma vez e que, lá no fundo, é uma garota bastante introvertida. E daí?

Mas, em seguida, ela destruirá por completo a família (um pai que não controlava as próprias fezes, uma mãe controladora que só falava merda), os rapazes idiotas por quem foi apaixonada e, principalmente, a si própria, e você até se ajeita melhor no sofá para degustar essas maravilhas.

O sarcasmo, o fracasso e o autodeboche são infinitamente melhores para a literatura do que qualquer militância ou "volta por cima".

Ao descrever que "se sentiu como um daqueles músicos que tocaram no deque do Titanic sabendo que não havia mais nada a fazer a não ser encarar o destino" ao encarar uma "piroca do tamanho de uma mangueira" Schumer é muito melhor do que quando conta sobre seu apego a bichinhos de pelúcia ou quando declara obviedades: "o seu poder vem do que você é ou faz e não da aceitação de um homem".

Outra irregularidade vem do dito feminismo da autora.

Se por um lado ela narra que perdeu a virgindade sofrendo abuso de um namorado (e que mulheres não devem se calar jamais e todo o discurso absolutamente necessário), por outro Amy esculacha a própria mãe por ter arruinado famílias ao se tornar amante do pai da sua melhor amiguinha e depois ter tido namorados aleatórios.

A Garota Com A Tribal Nas Costas
Amy Schumer
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É excelente a passagem em que relata sua exaustão ao conceder entrevistas pelo mundo todo respondendo sempre "como é representar todas as mulheres ao fazer um filme"? Brilha muito ao concluir: "Ninguém pede que Seth Rogen represente TODOS OS HOMENS! Não existem "comédias masculinas". Não perguntam a Ben Stiller qual foi a mensagem que ele quis passar a todos os homens quando fingiu ter diarreia e perseguiu aquele furão em Quero Ficar com Polly".

Porque Amy Schumer se inscreveu como voluntária em um acampamento de pessoas com necessidades especiais só para pegar monitores gatos e porque acredita piamente que sendo engraçada pode comer mais gente do que sendo linda (apesar de sempre se surpreender quando alguém a ama como mulher) concluo que, apesar dos fru-frus existenciais púberes, o livro vale a leitura.

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A GAROTA COM A TRIBAL NAS COSTAS
AUTOR Amy Schumer
TRADUÇÃO Andrea Gottlieb e Catharina Pinheiro
EDITORA Intrínseca
QUANTO: R$ 39,90 (336 págs.); R$ 24,90 (e-book)


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