Folha de S. Paulo


Crítica

Jornalista faz retrato precioso do grupo Pussy Riot e da Rússia atual

Embora se dê ao luxo de algumas licenças poéticas, a autora tem noção de que não é preciso inventar nada

Senhor Vladimir Vladimirovitch Putin, por favor não tranforme a grande Mãe Rússia novamente num país de silêncio. Onde nem os gritos nem os sussurros (tão bem descritos no livro homônimo de Orlando Figes sobre a época stalinista) sejam mais escutados. Onde os cidadãos que detêm um dos grandes acervos culturais do mundo e um dos idiomas mais sonoros e precisos sejam obrigados a calar mais uma vez.

Esse parece ser o subtexto de "Palavras Quebrarão Cimento", livro em que a jornalista russo-americana Masha Guessen acompanha a trajetória da banda Pussy Riot.

ANDREY NOSKOV/AFP
This undated handout picture made available on February 3, 2016 and provided by Russia's punk band Pussy Riot shows Pussy Riot frontwoman Nadezhda Tolokonnikova performing in the band's new music video titled
Nádia Tolokonnikov, líder do Pussy Riot, no clipe 'Chaika'

Banda é forma de dizer, pois o grupo que foi se reunindo em torno de Nádia Tolokonnikov, antes de se servir do punk-rock, fazia diversas e variadas performances/manifestações em estratégicos pontos de Moscou, como o teto de um trem do metrô.

De guitarra em punho e balaclavas (máscaras parciais), ou às vezes, um travesseiro na barriga, quando os parlamentares da Duma começaram a falar em proibir o aborto –já que o presidente havia citado o problema demográfico do país. Faltariam soldados para o seu Exército?

Na primeira década do século 21, a geração daquelas garotas parece ter crescido num vácuo desolador. Sem um regime autoritário explícito a combater de frente, como fizeram seus pais.

E sem um resgate literário/musical, cuja transcendência foi ofuscada pela internet, pela tecnologia –e pelo capitalismo recém-instalado. Diga-se de passagem, torpemente instalado.

Tudo isso constituiu um terreno fértil para a inteligência e energia das integrantes do Pussy, cujo nome sugere algo como a insurgência das xotas.

Masha Gessen esmiuça a biografia de cada uma das principais integrantes, oferecendo um painel esclarecedor do período. Com uma abordagem que lembra a da jornalista norueguesa Åsne Seierstad, de "O Livreiro de Cabul" e "Infância Roubada", sobre a Tchetchênia, a autora aproveita bem sua dupla nacionalidade: "Palavras Quebrarão Cimento" tem a paixão eslava aliada à precisão norte-americana quanto a datas, locais e nomes.

Foi justamente uma data palíndromo –21/2/2012– que alçou o Pussy Riot ao posto de fenômeno de celebridade internacional e tornou suas artistas adultas precoces.

Ao optarem pela Catedral do Cristo Salvador, no centro da capital, como cenário de sua intervenção/show naquele dia e por um refrão em que suplicavam à Virgem Maria que livrasse a Rússia de Putin, elas se arriscaram demais: foram presas e julgadas.

Palavras Quebrarão Cimento
Masha Gessen
l
Comprar

As cenas dos julgamentos, tendenciosos e tediosos, colocam o leitor brasileiro diante de um espelho arrepiante.

Masha Gessen faz dezenas de entrevistas e troca farta correspondência com as detentas. Embora se dê ao luxo de algumas licenças poéticas, tem absoluta noção de que não é preciso inventar nada.

Aquela realidade, fincada naquele lugar e com aqueles personagens é suficientemente transgressora, de um lado, opressora de outro e transparente (sem nenhuma alusão à glasnost de Gorba- tchov) para quem quiser enxergar. O livro é precioso.

*

PALAVRAS QUEBRARÃO CIMENTO
AUTORA Masha Gessen
TRADUCÃO Eni Rodrigues
EDITORA Martins Fontes
QUANTO: R$ 39 (314 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: