Folha de S. Paulo


No Brasil para lançar 'Snowden', Oliver Stone compara Trump a Reagan

"Onde está Dilma? Lula vive nesta cidade?" Sentado à mesa de um hotel paulistano, o cineasta americano Oliver Stone parece bem aturdido.

"Conheci Dilma naquele ano em Brasília? Não me lembro. Estive lá, é?", indaga a um dos membros do entourage que o acompanha nesta sua nova visita ao país. Ele veio ao Brasil desta vez para promover "Snowden", filme que estreia nesta quinta (10), e dar uma palestra num fórum de gestão empresarial.

Stone está resfriado –lhe arranjaram um descongestionante nasal às pressas. Bagunça a franja desalinhada. Quando alguma pergunta o deixa particularmente incomodado, ele amassa o papel que tem em mãos, com a ordem de entrevistas da tarde.

Divulgação
Joseph Gordon-Levitt como Edward Snowden em cena de 'Snowden
Joseph Gordon-Levitt como Edward Snowden em cena de 'Snowden'

O cineasta que se queixa de que a imprensa só publica suas declarações políticas não quer se calar sobre o tema: disparou contra Obama e contra o impeachment de Dilma nas duas ocasiões em que falou com a Folha –durante a visita ao Brasil e, três semanas antes, por telefone.

Sobre Obama: "Ele fez promessas de que faria um governo transparente e depois voltou atrás". Sobre Dilma: "É triste que ela tenha sido um alvo. Se alguém foi eleito, não deveria ser afastado por causa de conversa fiada".

"Snowden", thriller sobre o analista que denunciou o esquema de vigilância global operado pelo governo americano, é o campo de batalha perfeito para Stone, o mais à esquerda dos diretores de Hollywood.

"Basicamente, é a guerra que me fascina. Caso você não saiba, o que há aí é uma guerra, só que com armamentos cibernéticos."

Ex-combatente da Guerra do Vietnã nos anos 1960, o cineasta nova-iorquino de 70 anos ganhou de seus detratores a pecha de paranoico por cravar teorias conspiratórias em filmes como "JFK -A Pergunta que Não Quer Calar" (1991) e "Nixon" (1995).

O personagem-título de seu filme mais recente se soma ao rol dos homens reais que protagonizam seus longas de ficção: um panteão que passa de um visionário Jim Morrison ("The Doors") a um patético George W. Bush ("W").

O ex-analista é edulcorado pelo diretor com a mesma resina de heroísmo rebelde dos seus filmes da trilogia do Vietnã ("Platoon", "Nascido em Quatro de Julho" e "Entre o Céu e a Terra"), mas a introversão e a falta de traquejo social dão um tom distinto.

Joseph Gordon-Levitt, de "(500) Dias com Ela", interpreta Snowden num filme que repassa sua trajetória da chegada à CIA como um hacker patriota ao momento em que resolve delatar o esquema de vigilância ao jornalista Glenn Greenwald (Zachary Quinto) e à documentarista Laura Poitras (Melissa Leo).

"Ele é quase um escoteiro", diz Stone. "É muito franco e preocupado em seguir a Constituição. Não é esse espião gelado que pintam."

E repele acusações de que tentou endeusá-lo: "Reportei exatamente o que vi dele", diz Stone, que, desde 2014, teve uma série de encontros com Snowden na Rússia, país que deu asilo ao hacker.

TRUMP E LULA

O diretor também teve um encontro com Lula, no dia seguinte à entrevista no hotel.

O ex-presidente havia sido um dos entrevistados em seu documentário "Ao Sul da Fronteira" (2009), sobre a ascensão de vários mandatários de esquerda na América Latina. Para Stone, Lula "foi uma pessoa crucial, que tirou muitos da pobreza".

Na quarta de manhã, o diretor deu palestra para gente do outro polo do PIB: os participantes de um fórum de gestão empresarial na zona sul de São Paulo. "As pessoas gostam de me ouvir. Sou bom em discurso, falo do que conduziu minha vida", diz.

Num auditório lotado, foi interpelado pelo mediador, Luciano Huck, que não compreendia suas respostas.

Stone lamentou que cada vez menos as pessoas estejam desfrutando da "experiência coletiva" do cinema, ao que o apresentador exaltou as novas formas de fruição; o diretor criticou a pasteurização de comportamentos pregada pelas novelas, elogiadas por Huck; e criticou o sistema carcerário americano. "Convido você a dar um pulo nas cadeias brasileiras", ouviu.

E falou da vitória surpreendente de Donald Trump, ocorrida poucas horas antes.

"Achei que não houvesse chance, ainda mais depois de tanta coisa negativa exposta", disse. Dias antes, Stone havia se queixado à reportagem da incapacidade da esquerda americana de produzir um candidato forte e criticado os "ridículos" debates presidenciais, "pautados por relações-públicas". "Estamos virando uma república de bananas."

Na palestra, comparou Trump ao ex-presidente Reagan: "Quando assumiu, também tememos, mas ele lidou muito bem com Gorbatchov."

"Eu tinha mais medo de Hillary Clinton, que é uma conservadora intervencionista e votou a favor de guerras. Trump para mim é um negociador, um homem prático. Trump pode surpreender."

À reportagem, Stone não revela seu voto: "Diz que votei no Mickey Mouse". "Snowden" é uma produção Disney.


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