Folha de S. Paulo


Primeiros romances policiais de Leonardo Padura ganham nova edição

Antes de ter projeção internacional por "O Homem que Amava os Cachorros", lançado em 2009, em que reconstrói em formato de romance os últimos tempos de Leon Trótski (1879-1940) e a trajetória de seu assassino, o catalão Ramón Mercader (1913-1978), que passou anos refugiado em Cuba, Leonardo Padura já tinha feito seu primeiro mergulho profundo na literatura, mas não por meio de novelas históricas, e sim da narrativa policial.

"Esse gênero, que às vezes é visto como menor, permite ver fissuras de uma realidade, o outro lado das personalidades das pessoas que formam uma sociedade. Por meio dos romances policiais eu conseguia, naqueles anos [fins dos 80 e começo dos 90], retratar a Cuba que eu via como jovem escritor", diz o autor cubano à Folha.

Padura, 61, que também é colunista da Folha, lembra com nostalgia o escritor que era há 25 anos, época em que construía seu detetive Mario Conde –um personagem instável, emotivo, frustrado por não poder ser um escritor–, e que desvenda não apenas crimes, mas Cuba, em diversos aspectos e contradições.

Divulgação
O escritor cubano Leonardo Padura
O escritor cubano Leonardo Padura, cujos romances policiais ganham nova edição

"Obviamente eu mudei muito desde então. Aquele escritor que eu era aos 30 e poucos anos tinha uma visão mais inquieta das coisas. Hoje eu tenho 61. Mas meu olhar não mudou tanto assim, e minha forma de compor romances tampouco, que é trabalhando com a realidade que vejo. O que mudou é que Conde, hoje, é uma espécie de fantasma que me persegue."

E explica, rindo: "quando penso que terminei o que tinha a dizer por meio dele, surge uma nova edição dessas primeiras obras numa outra língua, ou uma adaptação, e eu tenho de voltar a falar dele, como agora".

As primeiras quatro histórias com o protagonista foram publicadas originalmente entre 1990 e 1997, a chamada Tetralogia das Quatro Estações, que sai agora pela Boitempo.

Antes, a Companhia das Letras tinha publicado três desses títulos. A nova edição, batizada como Estações Havana, traz os títulos que já tinham sido traduzidos ao português ("Passado Perfeito", "Ventos de Quaresma" e "Máscaras") e o inédito no Brasil "Paisagem de Outono".

No início da trama, Conde está esperando retirar-se de suas funções e aguardando a chegada do ciclone Félix quando um chamado urgente o faz voltar à atividade.

Na praia del Chivo, em Havana, pescadores haviam encontrado o corpo de um ex-alto funcionário do governo, Miguel Forcade Mier. Nos anos 60, portara o pomposo título de Chefe da Direção Provincial de Bens Expropriados e fora um fiel servidor do regime de Fidel Castro até que, de repente, em meados dos anos 70, no retorno de uma viagem à União Soviética, na escala do voo, na Espanha, foge para Miami.

"Essa figura não existiu de verdade, mas é uma mescla de políticos e burocratas do sistema de então. Publicamente defendiam o regime, mas, em suas vidas particulares, faziam outra coisa, como por exemplo se autoexilar na primeira oportunidade que tinham", conta Padura.

Aquele funcionário, porém, guardava segredos. Retornara à ilha com a desculpa de visitar o pai doente. Mas Conde desconfia que somente algo muito mais valioso o faria correr o risco de ser preso como traidor.

Como Forcade Mier havia trabalhado no saqueio aos bens da burguesia que escapara para os EUA após a Revolução de 1959, desconfiou se tratar de alguma obra de arte. Seguindo essa pista, topa com uma obra de Henri Matisse, misteriosamente em poder de outro funcionário.

"Com esse tipo de trama eu expunha temas importantes então, e ainda hoje, como a corrupção da máquina estatal, a fraqueza dos indivíduos dentro de um sistema apenas aparentemente rígido", conta Padura, ao explicar porque seus livros policiais vão além do "quem matou quem".

Para criar seus personagens, usa figuras e casos reais, mas nunca identificados de forma literal. "Como escritor, tenho um imenso defeito, que é a falta de imaginação, então preciso usar as realidades que vi e vivi. Misturo características de pessoas e episódios, e a partir daí construo a história."

"Paisagem de Outono" ganhou o prêmio Hammet em espanhol, entregue na famosa Semana Negra de Gijón. "Fiquei muito contente, porque Dashiell Hammet (1894-1961) está entre minhas principais influências".

Depois da tetralogia, Conde adormeceu por um tempo, até "Adeus, Hemingway" (2001). Viriam ainda mais três romances com o detetive, entre eles o mais recente, "Hereges" (2013), que também saiu aqui pela Boitempo.

Agora, Mario Conde revive outra vez, na Espanha, onde está sendo adaptado para o cinema e para a televisão.

BOB DYLAN

Recentemente, Padura se juntou ao debate sobre a pertinência de conferir o Nobel de Literatura a Bob Dylan. Em sua coluna de 22/10 na "Ilustrada", o cubano posicionou-se contra a escolha.

"Não é uma questão de achar que Bob Dylan ou Juan Manuel Serrat são melhores ou piores do que Philip Roth ou Carlos Fuentes; é que são coisas muito diferentes, que não são comparáveis."

Para o autor, o prêmio a Dylan é injusto com os romancistas. "Escrever um bom livro geralmente toma anos da vida de um escritor, enquanto uma canção, ainda que brilhante como são as de Dylan, pode ser composta em apenas um dia".

*

PRIMEIRAS AVENTURAS DO DETETIVE MARIO CONDE
Os quatro livros saem agora pela Boitempo Editorial

PASSADO PERFEITO (1991)
Mario Conde acorda de ressaca num fim de semana, em 1989, com uma chamada de seu chefe, que pede que ele resolva um caso: o desaparecimento de um alto funcionário do governo, por acaso alguém a quem o detetive havia conhecido no passado, e hoje casado com uma mulher que amara em outros tempos
QUANTO R$ 49 (216 págs.)

VENTOS DE QUARESMA (1994)
Nesta mistura de thriller e romance que se passa na primavera cubana, tempo da quaresma e dos ventos que vêm do mar, Conde conhece uma bela mulher que toca saxofone e tem de desvendar o assassinato de uma jovem professora universitária, num ambiente tomado por intrigas e tráfico de influências
QUANTO R$ 49 (208 págs.)

MÁSCARAS (1997)
Aqui, o detetive tem de elucidar o assassinato de um travesti cujo corpo é encontrado num bosque de Havana. Como política e crime andam juntos nas histórias de Conde, o cadáver resulta ser do filho de um diplomata bem posicionado no regime. O romance permite ao detetive meter-se nesse submundo do poder
QUANTO R$ 49 (208 págs.)

PAISAGEM DE OUTONO (1998)
Numa noite de outono, pescadores encontram um cadáver numa praia. A vítima é um alto funcionário do Estado. Autoexilado no passado, voltara à ilha atrás de algo valioso, que Conde busca saber do que se trata. Aqui, entre outras coisas, explora os duplos sentidos dos discursos dos castristas
QUANTO R$ 49 (248 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: