Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Série mostra que, porta adentro, nem tudo vai bem com os Windsor

"The Crown" traz um acurado retrato do Reino Unido após a vitória na Segunda Guerra (1939-1945). Um país com o orgulho nacional em alta, uma família real popular, um rei carismático, pai de duas bonitas princesas –a mais velha a ponto de se casar com um belo, atlético e carinhoso aristocrata.

O que o seriado nos mostra logo de cara, porém, é que nem tudo vai bem com os Windsor porta adentro. A começar pela primeira cena, em que o rei George 6 (Jared Harris) aparece tossindo sangue. Os primeiros episódios mostram a rápida degradação de sua saúde –com direito a vermos em detalhe a cirurgia que extirpa o pulmão atingido por um tumor– e o modo sutil como vai entregando a coroa à filha Elizabeth.

É curioso como praticamente não há diálogos de conselhos ou transmissões de segredos dos bastidores do poder nessas passagens. Sabendo que lhe resta pouco tempo, o rei limita-se a transmitir com calma e carinhosamente, basicamente por meio de olhares, a mensagem à sua primogênita: logo um pesado fardo lhe cairá sobre as costas.

Mas há mais do que a morte do rei a ser superada pela família. Elizabeth (Claire Foy) precisa aprender a lidar com a defensora máxima do trono, a avó, a Rainha Mary (Eileen Atkins), cuja lição, desprovida de afeto, é: "A coroa deve sempre ganhar", sugerindo que não haverá perdão se a moça cometer o mesmo "erro" de seu tio, Edward, que abdicou do trono para casar-se com a americana divorciada Wallis Simpson.

Nessa passagem, predomina a versão oficial e romântica da saída de cena do efêmero rei Edward (Alex Jennings), a de que deixou o trono apenas por amor, e menos porque teria alguma simpatia pelos nazistas. Quando volta para o funeral do irmão, é recebido com frieza pela família, mas efusivamente pelos ex-súditos. Fica sugerida a ideia de que Elizabeth, às escondidas da avó, acata um par de conselhos seus.

Outro dos desafios da jovem rainha é manter a harmonia de seu casamento. O Duque de Edimburgo encara com uma silenciosa dificuldade a ideia de passar a ser o consorte de uma monarca, abdicando de sua carreira da marinha e do protagonismo que seu porte lhe conferia. Ainda assim, o retrato de Philip é extremamente generoso com o personagem, que aparece peitando um elefante numa viagem do casal à África e dedicado aos pequenos príncipes Charles e Anne.

Mas "The Crown" não se limita a ser um relato de bastidores da linhagem, e sim mostrar como o poder se reajustou no Reino Unido do pós-Guerra. A perspectiva da sucessão do primeiro-ministro Winston Churchill (John Lithgow), de quem Elizabeth parece ter medo a princípio, mas com quem logo aprende a barganhar, é um exemplo.

Filmes família

Outro aspecto a se desenrolar é o novo papel da família real na Inglaterra contemporânea, que a monarca praticamente reinventa e lhe dá a longevidade que até hoje persiste.

A primeira temporada cobre até 1956, o que mostra que os produtores apostam ter fôlego para chegar sem pressa aos dias de hoje.

Até aqui, trata-se de uma versão que certamente agradará os atuais ocupantes do Palácio de Buckingham, pois os personagens se mostram humanizados e a instituição, reluzente. A ver como serão contadas passagens mais turbulentas da família que, todos sabemos, virão mais adiante.

THE CROWN
QUANDO: 1ª temporada, com dez episódios, disponível na Netflix


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