Folha de S. Paulo


Crítica

Principal mérito de filme é mostrar progressão do desequilíbrio sem histeria

Nessa arte cuja obsessão é evidenciar o que não se enxerga, os realizadores mais ambiciosos são os que não se contentam somente em reproduzir as aparências.

É o que move "Canção da Volta", primeiro longa de ficção de Gustavo Rosa de Moura, diretor que desenvolveu um olhar aguçado em curtas e amadureceu a narrativa em documentários antes de se lançar ao desafio maior.

O retorno de Eduardo (João Miguel) à casa, após uma viagem, marca a entrada no universo ao mesmo tempo banal e problemático da família. A acolhida afetuosa que recebe do filho e o sono da filha se contrapõem com a angústia causada pelo sumiço de Julia (Marina Person), sua mulher, desde cedo naquele dia.

A instabilidade psíquica dela, agravada por uma tentativa de suicídio, dispara a dúvida, sentimento que atuará como motor do filme. Se a reaparição de Julia acalma o medo, o comportamento errático dela provoca a desorganização do núcleo, com cada indivíduo entrando em crise por nunca saber o que esperar.

Filmar a progressão do desequilíbrio sem apelar para a histeria é o principal mérito de Moura. Seu olhar indaga a casa e também explora os exteriores de São Paulo como um labirinto onde os personagens têm dificuldades de se encontrar.

O desdobramento da história, contudo, impõe a necessidade de evidenciar demais a interioridade, o que leva o filme a contradizer suas primeira escolhas.

Tanto a sobriedade da atuação de João Miguel quanto a opacidade de Marina Person, eficientes na primeira parte, revelam-se frágeis para o naturalismo psicológico que se pede na última parte.

Apesar de frustrar, o resultado vale por revelar um realizador ainda encantado por métodos alheios, mas que também demonstra ter um olhar, o que hoje não é pouco.

CANÇÃO DA VOLTA
DIREÇÃO Gustavo Rosa de Moura
ELENCO João Miguel, Marina Person, Francisco Miguez
PRODUÇÃO Brasil, 2016, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (3)


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