Folha de S. Paulo


'Tomara que não me expulsem de casa', diz Rita Lee sobre autobiografia

"Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa." O epitáfio que Rita Lee, 68, sugere para si mesma é um bom resumo da vida que está retratada no livro que a cantora lança no próximo dia 16, em sua São Paulo natal.

"Rita Lee - Uma Autobiografia" (Globo Livros, 352 págs.) é uma obra corajosa, em que a cantora lembra momentos felizes e outros traumáticos de sua vida e repassa cinco décadas de uma carreira bem-sucedida na qual se tornou a principal roqueira do país.

Rita escreve em linguagem oral, mantendo gírias ("a lôka", "viajando de ácido", "o harém deu mó valor") e o ritmo de um bate-papo. Em determinadas passagens, é possível ouvi-la falando com seu sotaque e seu humor peculiar: "Contavam que eu, ainda bebezinha dormindo no bercinho, quase morri asfixiada quando Virgínia [uma de suas irmãs] despejou uma lata de talco na minha cara. Sister dearest".

Ou quando descreve o velório caseiro de seu avô materno como "Fellini goes Halloween" –e que termina com um primo gay pintando as unhas do defunto de cor-de-rosa – e a clássica "2001", que Tom Zé compôs e os Mutantes gravaram, como "Jeca Tatu goes to Mars".

Pouco afeita à imprensa –no livro, os jornalistas e críticos musicais apanham tanto quanto seus ex-colegas de Mutantes–, Rita só aceitou dar entrevista por e-mail. Nela, descreve como a escrita funcionou como uma espécie de terapia, diz que continua compondo (mas não fará mais shows) e se mostra feliz com a vida que escolheu, morando no campo e sendo dona de casa.

*

Folha - Como se deu a decisão de escrever uma autobiografia?
Rita Lee - A ideia partiu do meu atual modo 'dolce far niente' de viver no mato, cercada de plantas e bichos. Uma hora lá comecei a conversar comigo mesma e fui escrevendo minhas lembranças. Quando dei as escrivinhações por encerradas, a Globo Livros topou comprar o projeto fechado antes de ler. Achei que foram corajosos e respeitosos.

E como foi o processo da escrita? Você já tinha diários, anotações que consultou?
Entre cuidar da minha horta, pintar um quadro e cuidar dos meu bichos, fui escrevendo no meu velho iPad o que me vinha à cabeça e percebendo a coisa como a melhor terapia que já fiz, revivendo bons e maus momentos com distanciamento e humor.

Você consultou fontes ou escreveu tudo de memória mesmo, sem qualquer tipo de checagem? Mostrou o livro para alguém à medida que ia escrevendo?
A única pessoa que eu consultava quando a memória encalhava era Guilherme Samora, jornalista, melhor amigo e grande estudioso do meu legado. Só para ele mostrava alguma coisa que escrevia.

A parte que trata do estupro com a chave de fenda é uma das mais surpreendentes e chocantes do livro. Incluí-la foi uma decisão difícil?
Foi um momento tenso na autoterapia, era algo que escondia de mim mesma... Quando escrevi como o fato ficou impresso na minha memória, o trauma meio que desencantou por si só, perdeu importância, a ferida foi curada. Apesar de ter sido uma, não me enquadro no papel de vítima.

O quanto há de liberdade ficcional no livro? Por exemplo, você recria diálogos como o de seu pai com a atriz Rhonda Fleming, como se fossem reproduções ipsis verbis.
As memórias da infância são as mais fotográficas, lembro como se fosse hoje do meu pai contando essa história lá em casa.

No livro, você nomeia algumas das pessoas que critica, mas preserva outras. Como decidiu quando dar nome aos bois?
A melhor maneira de você não receber um processo nas costas por difamação (no caso de não haver provas concretas) é saber quando dar ou não dar nomes aos bois –no caso, às vacas.

O quanto do livro será surpresa para às pessoas que a conhecem bem, como sua família?
Tomara que não me expulsem de casa.

Você critica a imprensa por não lhe ter ouvido no episódio do show em Aracaju [em que foi detida pela polícia por desacato]. Qual é seu lado da história? E por que a decisão de publicar a parte em que relata isso riscada, em vez de simplesmente cortá-la?
Fiz questão de escrever meu lado da história e deixar riscada até que o processo que ainda corre por lá prescreva. E sim, a imprensa nunca se interessou em saber meu lado da moeda.

Num show em Brasília em 2012 você disse no palco que "essa coisa do Mensalão foi muito boa" e que o Joaquim Barbosa "poderia ser o presidente da República". Como você viu todas as mudanças políticas que aconteceram de lá para cá?
Eu e a torcida do Flamengo continuamos buscando heróis no meio dessa politicanalhagem.

Ainda nesta seara política, queria sua opinião sobre as seguintes figuras:
Dilma Rousseff
Passo
Lula
Passo
Temer
Passo
Sergio Moro
Fico
Eduardo Cunha
Passo
Aécio Neves
Passo
Fernando Haddad
Passo
João Doria
Passo
Marcelo Crivella
Passo
Marcelo Freixo
Passo

Rita Lee
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"Reconheço que minhas melhores músicas foram compostas em estado alterado, as piores também". Qual é, então, a lição que se extrai das drogas como catalisadoras da produção artística?
Não tenho discursinho moralista de madalenas arrependidas. Resumindo: drogas químicas são demoníacas e cannabis é uma planta sagrada.

Como você está atualmente? De saúde, de vida, de humor, de rotina? Tem planos artísticos para o futuro?
Palco nem pensar, mas continuo fazendo música, escrevendo letras e gravando demos caseiras, essas coisas a gente não abre mão. Ser dona de casa está sendo uma aventura nunca d'antes navegada e também estou pensando em escrever uma ficção. Fora o resto.


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