Folha de S. Paulo


Desvios da Rouanet bancaram festas de montadora e clube, diz investigação

Deflagrada nesta quinta-feira (27), a Operação Boca Livre S/A da Polícia Federal e do Ministério Público Federal apreendeu computadores e documentos de 29 empresas patrocinadoras de eventos investigados por desviar recursos da Lei Rouanet.

Trata-se de um desdobramento da Operação Boca Livre, que, em junho, deteve os proprietários do grupo Bellini Cultural, acusados de fraudar projetos culturais financiados com renúncia fiscal que somam R$ 25 milhões.

Segundo os investigadores, documentos apreendidos na primeira fase da Boca Livre levaram à busca desta quinta-feira, realizada em empresas como Bradesco, Volkswagen, Volvo, Akzo Nobel e Perdigão. Não houve prisões, e as apreensões seguiriam em andamento durante a tarde.

PRIMEIRA FASE

A ação começou após a análise da PF do material apreendido na primeira fase da operação, que ocorreu em 29 de junho e teve por alvo principal o Grupo Bellini Cultural.

Os donos da empresa, que atuava havia 20 anos no mercado, Antonio Carlos Bellini Amorim e sua mulher, Tânia Regina Guertas, são descritos pelos investigadores como líderes da organização criminosa. Os filhos Bruno Amorim e Felipe Amorim e Zuleica Amorim, irmã de Bellini, também foram acusados de pertencer à quadrilha.

Felipe teve seu casamento pago com recursos desviados da Lei Rouanet. A festa de luxo aconteceu na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis.

Segundo a investigação da PF, o grupo Bellini fraudava a lei Rouanet desde 2001. Ele propunha projetos culturais junto ao MinC e, com a autorização para captar recursos, procurava a iniciativa privada.

O ESQUEMA DA OPERAÇÃO BOCA LIVRE

As fraudes, então, ocorriam de diversas maneiras, como a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras.

O relatório da polícia apontava que Bellini, "por meio de diversas pessoas físicas e jurídicas a seu serviço", conseguia aprovar projetos culturais com renúncia fiscal junto ao Ministério da Cultura e à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

Boa parte dos projetos que receberam autorização do MinC para captar recursos tinha valor muito aquém do que o efetivamente prestado em notas fiscais. Já as empresas patrocinadoras ganhavam duplamente: com a dedução fiscal e com eventuais contrapartidas oferecidas pelo grupo Bellini.

Reprodução/Instagram
Decoração do casamento investigado pela Polícia Federal, em Jurerê Internacional
Decoração do casamento investigado pela Polícia Federal, na praia Jurerê Internacional

CONTRAPARTIDA

"Há fortes indicativos de que a maior parte dos patrocinadores contra os quais hoje cumprimos mandado de busca tinham conhecimento [das irregularidades]. Encontramos já contratos de patrocínio onde ficava explícita a cláusula de contrapartida, que ora era oferecida, ora exigida [pelos patrocinadores]", disse, em entrevista à imprensa, a delegada da Polícia Federal Melissa Maximino.

Segundo a apuração da operação desta quinta-feira, recursos fornecidos via renúncia pelo Bradesco para um projeto da Bellini que previa apresentações da Orquestra Arte Viva acabaram custeando um show do cantor Roberto Carlos em comemoração aos 108 anos do Clube Pinheiros, em São Paulo.

Recursos da Volkswagen, em vez de financiar concertos gratuitos de orquestra sinfônica, foram usados para bancar a festa de 60 anos, na Sala São Paulo, da empresa no Brasil, em 2013, com shows da cantora Ana Carolina.

A partir de agora, a Polícia Federal e o Ministério Público irão apurar quem são os responsáveis, nos departamentos de marketing e jurídico, pelos contratos fraudados com a Bellini.

O envolvimento de artistas com os desvios está descartado pela investigação. "Nem o empresário nem o artista tinham conhecimento de qual era o valor do projeto nem de onde saía esse valor. Em nenhum momento sabiam que estavam sendo pagos com recursos da Rouanet", afirmou a delegada.

Até agora, a apuração está concentrada nas operações da Bellini. Detidos em junho, os proprietários das empresas ligadas ao grupo cultural foram beneficiados com habeas corpus no mês seguinte.

"Houve algumas confissões [da família Bellini], mas esperamos que, com o agravamento da situação processual dos investigados, eles colaborem ainda mais. Não entendemos a contribuição deles como suficientes.
Eles ainda têm conhecimentos envolvendo possíveis outros agentes que teriam facilitado [as fraudes]", afirmou Karen Kahn, procuradora federal responsável pelo inquérito.

Operação Boca Livre - Cerca de 124 policiais federais participam da operação. Veja número de mandados

OUTRO LADO

Em nota, a Volkswagen afirma que verificou, em 2014, "incorreções em um processo realizado no ano anterior por uma agência prestadora de serviços de captação de incentivos fiscais via lei Rouanet".

"A partir disso, a empresa voluntariamente procurou o Ministério da Cultura e, em reunião realizada em 9 de dezembro de 2014, apresentou informações com o objetivo de regularizar tal processo, que desde então se encontra em avaliação e análise pelo órgão governamental. A Volkswagen do Brasil permanece inteiramente a disposição das autoridades para apresentar as informações necessárias para o esclarecimento do tema", afirma o texto.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Bradesco informou que "todos os seus patrocínios de projetos culturais sob os auspícios da Lei Rouanet foram rigorosamente realizados dentro das normas e regulamentos requeridos. As informações e documentos solicitados foram integralmente disponibilizados às autoridades solicitantes, o que, acreditamos, deverá embasar o esclarecimento dos fatos".

A Volvo afirma ter sido procurada em Curitiba pela Polícia Federal para a apreensão de documentos relacionados com a operação Boca Livre.

"A Volvo apoiou dois projetos cujo proponente foi o Grupo Bellini Cultural, em 2008. Toda a documentação solicitada foi entregue prontamente para a PF. Estes e todos os outros projetos apoiados pela Volvo por meio das leis de incentivo à cultura foram criteriosamente selecionados, acompanhados e executados, obedecendo também aos rígidos princípios éticos e de governança da montadora", informa nota da automotiva. "O Grupo Volvo destaca que apoia toda iniciativa que traga mais transparência e melhorias de processos na sociedade brasileira, o que inclui os mecanismos de apoio à cultura nacional."

A AkzoNobel, também em nota, confirma a colaboração com a operação da Polícia Federal nesta quinta e diz que "de acordo com os seus princípios fundamentais, lastreados na segurança, integridade e sustentabilidade, prezando pela transparência na condução de seus negócios, contribuiu com as autoridades na forma solicitada e permanece à disposição caso seja demandada para outras contribuições".

A reportagem não conseguiu contato com a Perdigão.


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