Folha de S. Paulo


Crítica

Pinacoteca exibe arte e artistas atentos ao contexto político

Com "Vanguarda Brasileira dos anos 1960", a Pinacoteca do Estado consegue criar narrativas que dão conta da produção feita no país desde o século 17, com os viajantes estrangeiros, até o surgimento da arte contemporânea.

Não é pouco, tendo em vista que não se trata de uma reunião de obras menos importantes, mas de um conjunto com muitas obras-primas da história da arte no país, entre elas "Antropofagia" (1929), de Tarsila do Amaral, conquistada graças ao comodato da Fundação Nemirovsky.

As peças desse acervo, aliás, anteriormente na Estação Pinacoteca, mudaram-se recentemente para a Pinacoteca, fazendo com que o edifício histórico de Ramos de Azevedo concentre todas as exposições de longa duração.

Thays Bittar/Folhapress
"Repressão Outra Vez - Eis o Saldo (1968)", de Antonio Manuel

É graças a outro comodato, da coleção Roger Wright, que o museu paulista consegue chegar agora até os anos 1970 de forma completa e em um momento bastante oportuno: 50 anos depois, muitas das obras expostas seguem com sua temática necessária. É o caso de "Viva Maria" (1966), de Waldemar Cordeiro, a bandeira onde se lê "canalha", criada no contexto do golpe de 1964 e atualizada frente ao momento presente, tanto que poderia estar nas recorrentes manifestações de rua.

O forte teor político da mostra, com curadoria de José Augusto Ribeiro, segue com outro trabalho bastante atual, "Repressão Outra Vez "" Eis o Saldo (1968)", de Antonio Manuel, no qual o público pode ver cenas de rua com violência policial. Enquanto hoje carimba-se "Fora, Temer" em notas de dinheiro, a mostra expõe "Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola" (1970), de Cildo Meireles, na qual o artista estampava em garrafas do refrigerante a frase "Yankees go home", protesto às intervenções norte-americanas no país, e as devolvia ao mercado.

O trabalho deu início a várias ações similares do artista, como carimbar "Quem matou Herzog?" em cédulas de dinheiro, o que certamente inspira as inserções atuais.

Contudo, as cerca de 80 obras exibidas vão além do caráter meramente político daquele período: elas revelam a importância das práticas experimentais da produção daquela época e da independência e do caminho próprio que a arte brasileira trilhava.

Waldemar Cordeiro é novamente um ótimo exemplo, com "Contra os Urubus da Arte Concreta Histórica" (1964), que questiona o movimento no qual o artista se engajou na década anterior, usando elementos cotidianos colados à pintura. Trata-se aí de um procedimento muito similar às "combine paintings", de Robert Rauschenberg, mas em um tempo em que as informações não chegavam aqui de forma tão rápida, portanto longe de estabelecer alguma relação de cópia.

A mostra reúne ainda obras do acervo importantes do período, entre elas se destacam "Marlboro" (1976), de Geraldo de Barros, "Buum!" (1966), de Marcelo Nitsche, e "O Porco" (1966), de Nelson Leirner. Esta última é das obras emblemáticas da produção contemporânea, que chegou a gerar polêmica por ter sido aceita no 4Oº Salão de Arte Moderna de Brasília.

Se por um lado é um tanto deprimente perceber como o contexto político conservador do país se mantém em ciclos, não deixa de ser um alívio que um museu como a Pinacoteca tenha espaço e obras para lembrar a arte e os artistas atentos ao contexto.

VANGUARDA BRASILEIRA DOS ANOS 1960 - COLEÇAO ROGER WRIGHT
QUANDO de qua. a seg., das 10h às 17h30; até 26/8/2019
ONDE Pinacoteca, pça. da Luz, 2, tel. (11) 3324-1000
QUANTO: R$ 6


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