Folha de S. Paulo


CRÍTICAS | FILMES NA TV

Semana tem nacional 'Califórnia', além de Babenco e Liv Ullman

Aline Arruda/Divulgação
Cena do filme
Cena do filme "Califórnia", de Marina Person

Segunda (24)

O Canal Brasil investe na família Person. Passemos pelo clássico "São Paulo S.A" (1965, 0h15), aqui suficientemente clássico comentado, recomendado etc.

Fiquemos com Marina Person, a filha, que faz uma promissora estreia na ficção com "Califórnia" (2015, 19h50). O centro é uma adolescente, que espera ansiosamente o momento de viajar à Califórnia, onde mora o tio.

Sonho de adolescente dos anos 1980 (ou quaisquer outros anos) que se desfaz, pois o tio volta ao Brasil. Segue-se o contato com o adorado tio. E aí começam os problemas do filme: o que ela aprende com ele? A rigor,bem pouco. Seria aspecto a desenvolver.

Ah, sim, ela se descobre um tanto lateral, um tanto diferente. O que a leva a namorar um garoto bem estigmatizado do colégio. Como se vê, bela tipologia de adolescentes de qualquer época. Mas também aqui o filme vai menos longe do que promete. No entanto, a ágil direção tem tato e leveza.

Terça (25)

Alguns filmes têm sorte em seus "remakes", e entre eles "Vampiros de Almas", o clássico de Don Siegel, certamente está entre os mais felizes.

Primeiro, foi contemplado com a versão de Philip Kaufman, de 1978, e depois com o "Os Invasores de Corpos - A Invasão Continua" (TCM22h), versão de 1993, por Abel Ferrara, da mesma história de seres extraterrestres que tomam o corpo dos humanos, preservando porém sua exata aparência.

Não se pode esquecer, nessa linhagem, a obra-prima "Eles Vivem" (1988), de John Carpenter. Em todos eles, o terror vem da hipótese de uma transformação misteriosa do outro, das pessoas que conhecemos. Ou de nós mesmos?

Essa categoria de filmes responde a crises de identidade variadas e profundas, e a versão Ferrara, como se pode esperar é a mais conturbada, a mais angustiante.

Quarta (26)

De volta à família Person. A esse filme a um tempo claro e estranho chamado "O Caso dos Irmãos Naves" (1967, Curta!, 22h30).

Claro porque aborda um caso de erro judiciário evidente: tratava-se de colocar em alguém a culpa por um crime. Procedimento policial mais que comum, diga-se.

Estranho pela atmosfera que se cria: estamos em uma cidadezinha de interior, um desses lugares bucólicos onde não se espera que esse tipo de coisa venha a ocorrer.

O autoritarismo dá o tom –o filme está falando, em princípio, da ditadura do Estado Novo, mas é evidente que evoca o perigo de todos os autoritarismos, a começar pelo instaurado em 1964.

Mas o perigo de autoritarismos políticos e policiais transferem-se a outras épocas e locais sem dificuldade: a analogia ressurge em tempos e locais diferentes. Eis o que preserva a atualidade do filme.

Ok, todo mundo já viu e conhece "O Diabo Veste Prada" (Fox, 22h45). A efeméride: o filme esta completando dez anos, é de 2006. Isso não tem, em si, importância nenhuma.

Mas algo chama a atenção. No filme, Anne Hathaway é a jovem e esforçada assistente de uma megera do jornalismo de moda. A moda está com tudo, a megera também. Agradá-la não é apenas um dever profissional, mas quase um dever frente á civilização.

O pobre diabo que Anne namora é uma alma simples. Quer ser um cozinheiro feliz e pronto. Acaba numa geladeira infernal: a garota tem mil coisas a fazer, viagens, paqueras. Só não tem tempo para ele.

Muito bem: vamos dar o salto de dez anos. Não que a moda tenha morrido. Mas a arte de ponta do Ocidente hoje é a culinária. Se houver continuação, o rapaz estará com tudo, jurado do Masterchef ou algo assim. Anne será a anônima da história. O mundo dá voltas.

Quinta (27)

É bem boa a formulação dos "Cahiers du Cinéma" a respeito de Sonia Braga em "Aquarius": a volta da mulher aranha.

É, de certa forma, o que ela é no filme de Kleber Mendonça: um ser reativo, por certo, mas que lança sua teia sobre vários personagens e assim vai se constituindo.

Mas é "O Beijo da Mulher Aranha" (1985, Canal Brasil, 15h), de Hector Babenco, que fez de Sonia uma estrela internacional indiscutível (além de ter dado o Oscar de melhor ator a William Hurt).

Ali dois presidiários, sendo um homossexual e um prisioneiro político, se encontram. À parte as muitas diferenças, conversarão. E o gay falará de filmes em que surge essa fabulosa figura feminina, cheia de mistérios, que não deixa de evocar o "Sangue de Pantera" (1942) de Jacques Tourneur.

É Sonia, assim, que está no centro dessa trama em que, mais que tolerância, é de conhecimento mútuo e aceitação que se trata.

Sexta (28)

Existe, é claro, uma postulação moral em "O Abutre" (2014, Max, 20h) que faz desse filme de Dan Gilroy bem interessante.

Ajuda nisso, e muito, a atuação notável de Jake Gillenhaal. Trata-se de um homem obcecado pelo sucesso e, eventualmente, jornalista. Ou antes, alguém que persegue acontecimentos insólitos, dolorosos, para vender às emissoras de TV.

Esse personagem a um tempo determinado e furtivo não hesita em romper os limites da legalidade. É o triunfo que conta. E a TV é um bom veículo para a ambição, pois baseado nela. Existirá sempre alguém como a editora Rene Russo, disposta a botar no ar imagens escabrosas que levantem a audiência.

Pensemos em alternativas mais suaves para o dia: "Uma Babá Quase Perfeita" (1993, Fox, 13h30) é outro show de interpretação. Desta vez de Robin Williams como o pai que, para ficar perto dos filhos, se disfarça de mulher.

Sábado (29)

Em "Cosmópolis" (2012, TC Cult, 19h55) tudo é questão de poder e mercado. David Cronenberg, antes tão empenhado em captar nossas mutações físicas, aqui se concentra nas mutações do mundo.

O que é o mercado? Ninguém explica isso direito. Mas sabemos que hoje é algo que funciona 24 horas por 24 horas. Ou seja: quando Nova York fecha, abre Xangai, se fecha Xangai abre Mumbai e assim vamos.

Não é de estranhar que o jovem magnata Eric Packer coma, beba, ame e, sobretudo, cuide de negócios na sua magnífica limusine. Uma limusine mundo. Ela vive por ele. Resta-lhe o poder, o dinheiro. São a mesma coisa.

Exclua-se a discussão um tanto obscura do final e temos uma bela ideia do gênio contemporâneo: nada de vidas dedicadas a pesquisar o bem do mundo. Nada de Eistein ou Curie. Agora gênioé que produz a própria fortuna rápida: por alguma invenção ou pela especulação.

Domingo (30)

Talvez a direção de Liv Ullman seja um tanto fria. Talvez, à inglesa (de onde vem a produção), a noção do espetáculo de prestígio se imponha. Nem por isso "Senhorita Julia" (2014, Max, 21h) é desprovido de interesse.

Mesmo a fragilidade de Colin Farrell como o criado a quem Julie, ou Jessica Chastain, busca seduzir, não chega a tirar o encanto da história de Strindberg.

Porque estamos aqui numa guerra de sexos: a mulher seduz para afirmar o seu poder de mulher sobre o criado. Não só: ela também precisa afirmar o seu poder de classe. Ela é mais forte porque pertence a uma classe social mais forte.

Luta de classes, portanto. E do outro lado a reação, a resistência, virá menos do homem do que da classe inferior. Dessa batalha resultará o final trágico.

Com um pouco menos de bom-tom, o filme chegaria à intensidade da peça.


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