Folha de S. Paulo


'Ator explosivo', Paulo César Pereio volta aos palcos em 'Criança Enterrada'

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"O Pereio é o patriarca". É assim que Mário Bortolotto, diretor de "Criança Enterrada", responde por que convidou Paulo César Pereio para fazer Dodge, o fazendeiro decadente, bebendo até a morte diante da TV. Pulitzer em 1979, é a peça que fez o nome do americano Sam Shepard.

Pereio é o patriarca "outsider" do teatro, cinema e TV.

Ao ouvir a descrição do diretor, o ator divaga: "É, três dias atrás fui ao médico e, no dia seguinte, não consegui ensaiar direito. Ficou péssimo, porque comecei a me identificar com esse 'caracter'. Porque ele morre em cena. Eu estou com 76 anos, já fiz tudo para... Eu fiz muita força para morrer, né?".

Lenise Pinheiro/Folhapress
Sao Paulo, Sp, Brasil. Data 17-10-2016. Espetaculo Crianca Enterrada. Ator Paulo César Pereio(esq). Diretor Mario Bortolotto (dir). Teatro Cemiterio de Automoveis. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress.
Paulo César Pereio (esq). com Mário Bortolotto, que o dirige em 'Criança Enterrada'

Diferente de Bortolotto, 54, que não consegue dormir direito e recusa os conselhos para parar de beber e outros, Pereio conta que está de dieta e hoje dorme bem.

Como no caso da morte, ele não evita assuntos difíceis ou "caracteres", como chama seus personagens. Junto com a peça, acaba de entrar no ar a nova temporada de "Magnífica 70", série da HBO sobre a ditadura em que faz um militar monstruoso.

"A gente sempre tem um general daqueles na gente", diz. "A gente, que é de 'esquerrrda', tem que brigar com os generais que estão dentro. Já me comportei de maneira muito escrota com namoradas, com amigos, mas pretendo ser um bom animal, então vou me corrigindo."

Sobre o "caracter": "Aquele general, ele só faz merda. Ele come a filha, porra".

PILHA

Pereio começou a atuar aos 16, em Porto Alegre, num grupo que reunia outros jovens como Paulo José e Lilian Lemmertz e que se engajou em ações do governador Leonel Brizola, à época. O próprio ator compôs, por exemplo, o "Hino da Legalidade".

No fim dos anos 1960, já em São Paulo, ficou uma semana preso na Oban, Operação Bandeirante, sem que lhe fosse informado por quê.

No cinema, são mais de 60 filmes, começando por "Os Fuzis", de Ruy Guerra, e "Terra em Transe", de Glauber Rocha, e "Toda Nudez Será Castigada", de Arnaldo Jabor. E peças sem conta, como "Roda Viva", de Chico Buarque, sob direção de Zé Celso.

Foi casado três vezes e tem quatro filhos. Por não pagar a pensão de dois deles, com a atriz Cissa Guimarães, chegou a ser preso.

Hoje morador do Bixiga, em São Paulo, rodeado de teatros, ele acorda cedo, almoça às 11h. Ao longo da última década, parou de fumar, beber e tomar drogas e colocou um marca-passo.

Ao começar a entrevista, foi preciso trocar seu microfone, com bateria fraca, e ele brincou: "Ô, não estou precisando de pilha, não".

SISTEMA

Apesar da constância em teatro e cinema, nunca passou de alguns poucos capítulos em TV. "Eu não entro no sistema, é uma incapacidade, só consigo me colocar como 'outsider'", diz.

Ele relata que, numa passagem pela Globo, "irritava" os produtores pela falta de pontualidade. "O Lima Duarte, que eu gosto pra burro, dizia, 'os caras marcam de manhã, você chega à tarde, marcam de tarde, você chega de manhã. Você não quer fazer'".

No caso da HBO, afirma que "é um monstro do sistema americano, mas do sistema brasileiro, não". Na sua visão, a produtora e programadora "está entrando", ainda que "com aquelas séries que estão desbancando" a TV e o próprio cinema.

Entre as mudanças que saúda está o fato de não haver mais os limites de tempo dos filmes. Conta que assistiu à primeira temporada de "House of Cards" de uma vez. Outra novidade bem-vinda é a troca de guarda no comando da criação, priorizando roteiros. Na série, "quem escreve é o Cláudio Torres, com outros. Ele é o 'showrunner'".

Diz Torres: "Eu nunca tinha trabalhado com o Pereio. Ele foi um doce, o contrário do que a gente espera, pela lenda. Ele foi amado pela equipe, que o idolatrava".

"Agora, como ator, ele é explosivo. Isso imprime muita verdade no que faz. É muito culto. Convidamos para fazer um general. Isso divertiu a cabeça do Pereio. A gente costuma dizer que a única coisa pornográfica do 'Magnífica 70' é o Pereio vestido de general."


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