Folha de S. Paulo


Retração do varejo faz Brasil chegar fragilizado à Feira de Frankfurt

Se ano passado o principal entrave às negociações de editoras brasileiras na Feira de Frankfurt, que começou nesta quarta (19), era a alta do dólar em relação ao real, desta vez é a retração grave do varejo de livros que enfraquece o poder de compra das casas nacionais.

O dólar, que, na mesma época em 2015, estava em R$ 3,80, recuou para R$ 3,20 —embora não seja o valor ideal, é um alívio na comparação. Mas, mesmo que tenha ficado um pouco mais fácil comprar direitos, mas não foi o suficiente para compensar a queda nas vendas.

Entre agosto e setembro, o mercado encolheu 8% em volume e 3% em faturamento, em comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados são do Painel de Vendas, pesquisa mensal realizada pela Nielsen Bookscan sob encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livro.

"Aquele momento glorioso que o mercado brasileiro viveu, com leilões milionários, ficou no passado. Os próprios agentes [literários] já se deram conta disso. A vantagem é agir com o pé no chão", diz Sônia Jardim, presidente do Grupo Record.

Ela lamenta a falta de um fenômeno como os livros de colorir. Embora não fossem para ser lidos, serviam para levar pessoas às livrarias, diz a editora. A esperança é que o movimento aumente com o lançamento de "Harry Potter e a Criança Amaldiçoada" (Rocco), no fim do mês.

Ao mesmo tempo em que a crise traz problemas para os editores nacionais, Frankfurt também pode ser uma esperança de futuro —do evento, pode sair o próximo best-seller ou tendência capaz de ajudar a fechar as contas.

"A queda do dólar também está influenciada pela repatriação de recursos no exterior, não sei até quando isso se sustenta", diz Marcos Pereira, da Sextante. "Temos bastante livros comprados [anteriormente], então é preciso ser rigoroso com as [novas] compras."

A adesão ao estande do Brazilian Publishers, projeto da CBL (Câmara Brasileira do Livro) que costuma reunir editoras em Frankfurt, também está mais modesta. De acordo com Luís Antonio Torelli, o número de empresas no espaço hoje é de 30 - mas já chegou a ter cerca de 40 em bons anos.

"É muito difícil, ano passado o mercado interno ajudava, mas agora isso acabou. Em 2016, quase todos os meses há queda de faturamento", diz Torelli.

Para completar, a Feira de Frankfurt ainda não aponta nenhum filão para o próximo ano. Pedro Almeida, da Faro Editorial, percebe que os thrillers estão tendo uma receptividade maior no mercado brasileiro.

Costuma haver um consenso entre os editores do país que o gênero, mesmo quando vende bem, costuma ser incapaz de repetir o sucesso que faz no exterior.

Ele comenta também que tem negociado com os agentes internacionais pagar os adiantamentos quando os livros forem lançados. "Apesar da crise, vejo oportunidades para as editoras pequenas".

Um dos thrillers cujo leilão esquentou nas vésperas da feira, "Beautiful Things", de Gin Phillips, foi vencido pela Intrínseca. Sete editoras o disputavam.

CAUTELA

Luiz Schwarcz, presidente da Companhia das Letras, diz que é preciso olhar as feiras com cautela.

"A compra em feiras é sempre mais impensada. Você reúne todos os editores no mesmo lugar, durante cinco dias, e acaba gerando uma competição meio artificial", disse ele à Folha, em uma conversa ainda no Brasil. "É muito comum que o livro mais disputado seja um fracasso editorial".

Schwarcz critica também um hábito que se tornou comum em Frankfurt, de livros de ficção serem negociados a partir de trechos apenas —antes de o original estar disponível. Ou, às vezes, até sem isso. Há autores best-sellers que, depois do sucesso do primeiro livro, vendem sua nova obra a partir apenas de uma descrição dela.

"É horroroso isso, um convite para não dar certo", diz.


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