Folha de S. Paulo


Jô Soares dirige Shakespeare 'sinistro' em 'Tróilo e Créssida'

Não fosse por seu traço cômico e pela distância que toma das tragédias, "Tróilo e Créssida", de William Shakespeare, poderia ser considerada uma espécie de "Romeu e Julieta - Parte 2".

Se os jovens amantes de Verona pertencem a famílias que se odeiam, Tróilo, um príncipe troiano, também não pode amar Créssida tão livremente: o pai dela é um traidor, passou para o lado dos gregos ao prever a derrota de seus conterrâneos na longa Guerra de Troia.

A comparação entre uma das tragédias mais populares de Shakespeare e, do outro lado, uma de suas comédias mais obscuras, quem faz é o apresentador e diretor Jô Sores, que leva sua versão de "Tróilo e Créssida" para o Teatro Popular do Sesi a partir deste sábado (15). Além de assinar a direção da peça, ele divide a adaptação e a tradução com Mauricio Guilherme.

Divulgação
Elenco de
Elenco de "Tróilo e Créssida", com Maria Fernanda Cândido e Ricardo Gelli (abraçados ao fundo)

O casal protagonista é vivido por Maria Fernanda Cândido e Ricardo Gelli. No elenco ainda estão Marco Antônio Pâmio, Otávio Martins, Tuna Dwek e Adriane Galisteu.

Escrita logo depois de "Hamlet", em 1601, e considerada uma espécie de ovelha negra na obra de Shakespeare, a peça tem o humor esquisito que lhe rendeu o título "comédia sombria" ou, como prefere Jô, "comédia sinistra".

O amor entre Tróilo e Créssida não se revela puramente romântico. Há interesses menos nobres por trás da paixão deles e, diferença básica (atenção, spoiler), os protagonistas não morrem no final, apenas se distanciam, em um ponto de subversão da cartilha das tragédias.

Há um traço ainda mais marcante na história dos pombinhos. O pano de fundo da peça, que se passa no sétimo ano da Guerra de Troia, rouba a cena, impondo-se como um terceiro protagonista.

Marcadamente política, "Tróilo e Créssida" não foi montada por Shakespeare em vida, diz Jô, "por aconselhamento de um conde, espécie de protetor do bardo na corte da rainha Elizabeth".

O diretor conta que havia risco, para o autor, de montar um texto que trazia muitas semelhanças com "a política corrompida da corte", e por isso ela teria ido para a gaveta. A peça, para ele, "faz uma crítica mordaz ao militarismo, à forma como as guerras são prolongadas por causa da desordem, por interesses financeiros ou por mera incompetência", explica.

É o terceiro Shakespeare que Jô dirige. Nos anos 1960, ele montou "Romeu e Julieta" com Regina Duarte. Em 2006, também fez "Ricardo 3º".

"Essa não é uma peça que desperta tanto a atenção como as outras duas, ou como um "Hamlet", mas ela tem um elemento maravilhoso a ser mostrado hoje: ela se passa durante uma guerra que não acaba. É isso o que a gente vê acontecer atualmente no mundo. As guerras não têm fim", diz o diretor.

Jô aponta que esse mesmo pano de fundo também resulta em um clima de suspense. "A gente não sabe qual será o fim de Tróilo e de Créssida, e também não sabe se o tão esperado embate entre gregos e troianos vai acontecer".

Sobre o palco, "Tróilo e Créssida" surge com figurinos apenas alusivos à época, em um cenário todo dividido em plataformas quadradas, desniveladas uma em relação à outra. Essas plataformas têm uma espécie de função multifuncional, podem ser usadas para representar o quarto de Créssida e, em uma cena imediatamente seguinte, a tenda de um general.

A tradução é mais coloquial, mas sem perder a poesia do autor, segundo Jô. Ele conta que traduzir Shakespeare "é uma coisa de louco", exige um extenso conhecimento do vocabulário da época.

"Quando fiz 'Ricardo 3º', fui obrigado a comprar um glossário só com expressões e palavras usadas por Shakespeare." Jô cita um exemplo do que pode resultar em erros de tradução: "Naquela época, primo podia ser irmão. Tio podia ser sogro. Sem o glossário do lado, o tradutor fica maluco", conta.

A língua, segundo Jô, também revela um olhar do autor sobre as diferenças de classes. "Nós nos divertimos muito porque percebemos que as verdades mais cruas, mais duras e mais irreverentes são colocadas na boca dos criados ou dos escravos. Eles têm um linguajar solto e acabam passando a mensagem. São eles que têm essa liberdade", conclui.

TRÓILO E CRÉSSIDA
ONDE qua. a sáb., das 13h às 20h; dom., das 11h às 20h; até 18/12
ONDE Teatro do Sesi, av. Paulista, 1313, tel. (11) 3146-7405/7406
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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