Folha de S. Paulo


Em monólogo em cartaz em SP, atriz travesti interpreta Jesus transexual

Quando decidiu montar no Brasil "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", em cartaz em São Paulo, a diretora Natalia Mallo colocou um enxuto anúncio em seu Facebook: "Procura-se atriz trans". É um texto, diz ela, feito "para aquilo que está no corpo de uma atriz transgênero".

O monólogo escrito pela inglesa Jo Clifford, 66, recria a história de Jesus como uma transexual. A dramaturga, ela mesma trans e cristã, escreveu a peça como forma de lidar com sua religião quando já deixara de ser John –decidiu mudar de sexo há dez anos.

Não se trata de uma crítica à igreja, mas de um discurso sobre a aceitação, explicou a autora à Folha em maio, quando esteve no Brasil para encenar sua versão da peça no Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte.

"Ela defende a tese de que não dá para excluir ninguém", diz Mallo. A diretora assistiu à montagem de Clifford em 2014, na Escócia. Na mesma noite, pediu à dramaturga o texto e começou a traduzi-lo no quarto do hotel.

O anúncio de Mallo na internet em busca de uma intérprete brasileira rendeu 50 e-mails de resposta. Dali, a diretora chegou à santista Renata Carvalho, 35, atriz e ativista que se classifica como travesti. "As pessoas ficam com vergonha da palavra 'travesti' e usam 'transexual' porque acham mais aceito. Quero quebrar esse estigma em cima de 'travesti'", explica a atriz.

Seu ativismo é visto na versão brasileira da peça, que resgata um mundo underground das ruas e da travesti que vive à margem. A tradução também brinca com os gêneros. Quando Carvalho se dirige à plateia, por exemplo, diz "todas vocês", ainda que haja homens entre os espectadores.

Mas a temática, como ocorreu com Clifford em sua estreia em Glasgow, há sete anos, causou certo rebuliço entre alguns cristãos.

"Evangelho" fez suas primeiras sessões no Filo - Festival Internacional de Londrina, no fim de agosto. As apresentações aconteceriam numa capela ecumênica, mas tiveram de ser transferidas após protesto de religiosos.

"O estigma é tão grande em cima de uma travesti e de um transexual que as pessoas deduzem que o projeto é tirando sarro, quando na verdade é uma peça completamente pró-cristãos", afirma Mallo.

A polêmica acabou por levar mais público à peça, que abrigou o dobro (200) de espectadores previstos inicialmente. Atriz e diretora contam ainda terem recebido respostas positivas de cristãos e líderes religiosos que assistiram à montagem.

O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, RAINHA DO CÉU
QUANDO qui. a sáb., às 20h30; até 5/11
ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO R$ 7,50 a R$ 25
CLASSIFICAÇÃO 18 anos


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