Folha de S. Paulo


DEPOIMENTO

Dan Stulbach: 'Dario Fo era o teatro em si'

Lenise Pinheiro/Folhapress
Sao Paulo, SP. Brasil. Data 17-09-2015. Espetaculo A morte acidental de um anarquista, Atores Henrique Stroeter (esq), Dan Stulbach (roupa quadriculada) e Riba Carlovich (colete e a dir). Teatro Porto Seguro. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
Henrique Stroeter (esq.), Dan Stulbach e Riba Carlovich em 'Morte Acidental de Um Anarquista'

Vi Dario Fo pela primeira vez em 1989, quando ele encenou "Mistero Buffo" em São Paulo, no teatro Mars. Ele estava na porta do teatro, pegando os ingressos. Foi a primeira figura que vi ter essa relação com o teatro, menos glamorosa.

Ele pegava nossos ingressos, e ia andando até o palco. Eu estudava na EAD [Escola de Artes Dramáticas da USP] na época, esse despojamento foi muito marcante. A gente se sentou em volta dele e ele começou a contar qual era a história, antes de começar: fazia 20 personagens em uma peça que escrevia e dirigia. Ele era o teatro em si.

Depois, fui ler todas as peças dele. Eram provocativas, subversivas, questionadoras do poder estabelecido. Ele falava que, em 1500, não era o drama que estava na praça questionando o rei —eram os palhaços. Com isso, fui entender o outro lugar da comédia.

Tenho pensado muito no Dario, vivido muito o universo dele de dois anos para cá [com 'Morte Acidental de Um Anarquista', atualmente em cartaz]. Falamos diretamente por e-mail, por causa da produção. Eu estava fascinado por ele ter adaptado um fato real para o teatro [nessa peça], que historicamente continuava viva.

O que ele dizia sobre esse outro lugar da comédia, para mim, foi renovador. A comédia no Brasil se presta a outra coisa: rir, divertir. É válido, mas de alguma maneira acaba. A comédia dele é muito divertida, inteligente.

Dario Fo tem a teoria de que o drama te liberta: o público tem a catarse, chora, se emociona e sai mais leve do espetáculo. Já a comédia deixa a inquietação, o incômodo. O público ri porque acha ridículo [o que assiste], mas vê esse ridículo na própria vida. Era essa a inquietação que ele queria, porque queria mudança. Aprendi com ele que o teatro é esse agente da mudança, da transformação da sociedade.

Mantivemos conversas bastante formais. Queria ter ido a Milão para conhecê-lo, e ele sabia da nossa montagem aqui. Em seu aniversário de 90 anos, em março deste ano, mandamos um vídeo a ele com trechos da nossa versão, que foram editados junto com algumas outras montagens em todo o mundo.

Na época do vídeo, estávamos em cartaz no teatro do Masp e colocávamos trechos de passeatas na Paulista no meio do vídeo. Brincamos: "Olha aqui, está todo mundo comemorando o seu aniversário!".

Em "Morte Acidental de um Anarquista", sempre que abrimos o espetáculo, contamos por que decidimos fazer a peça e quem é o Dario Fo, e qual era a história real que ele quis contar. Sentimos que as pessoas —muitas não conheciam sua obra— passam a se interessar. No final, sinto que público aplaude a inteligência do autor.

Quando você encena a obra de alguém como Dario Fo, sente que é inesgotável. É sempre bom fazer. Sempre diferente, sempre criativo. Esse contato próximo tem sido lindo —talvez nos espetáculos deste fim de semana alguém descubra Dario Fo, talvez seja completamente diferente em cena, sabendo que ele se foi. Talvez a nossa responsabilidade aumente.

DAN STULBACH, ator e diretor, encena a atual temporada de 'Morte Acidental de Um Anarquista', em cartaz em São Paulo


Endereço da página:

Links no texto: