Folha de S. Paulo


Valongo Festival leva fotógrafos que pensam questões raciais a Santos

Lá fora, um céu cor de chumbo emoldura gruas enormes movendo contêineres de todos os países do mundo, como se o planeta atracasse ali num nó metálico. Não podia ser maior o contraste com a areia atulhada de gente torrada de sol nas imagens do lado de dentro de um dos casarões à beira do porto de Santos.

Num dos ensaios centrais desta primeira edição do Valongo Festival Internacional da Imagem, evento de fotografia que ocupa nesta semana uma série de construções históricas do maior porto do país, Julio Bittencourt flagra garotas e rapazes em busca do bronze perfeito no piscinão de Ramos, o balneário popular da zona norte do Rio.

Essa Ipanema ao contrário, onde a bossa nova dá lugar ao funk, é uma terra de pretos e pardos, os nativos da exclusão. E a lente de Bittencourt parece intoxicada por esse mar de pele escura embranquecida por camadas espessas de descolorante.

Na sala ao lado, na mesma Oficina Cultural Pagu, ou cadeia velha, como dizem os mais íntimos do Valongo, estão imagens de navios do fotógrafo Cássio Vasconcellos, todas em preto e branco. É um exercício impressionista, de contornos desfocados, quase uma ode à pujança industrial ou à noção de poder sobre-humano que parece rondar as zonas portuárias.

"Essa coisa do porto é muito impressionante", diz Iatã Cannabrava, idealizador do festival, numa caminhada pelas ruas de Santos. "Temos cem quarteirões de vida portuária a serem recuperados aqui, mas, sempre que falam nisso, pensam em Ibiza ou Puerto Madero. Estamos dando um alerta de que isso aqui vai ter outro tom."

No caso, o da pele negra, que aparece no ensaio de Bittencourt e também num fotolivro histórico sobre o Harlem do americano Roy de Carava. As páginas do volume foram ampliadas uma a uma e ocupam outra galeria do Valongo.

Enquanto a edição de estreia do evento reúne trabalhos de fotógrafos que pensam questões de raça e existências em transe, tendo portos e praias como metáfora desses deslocamentos, a ideia de Cannabrava é criar um circuito de estudos fotográficos na cidade do litoral paulista. Daí a ênfase não só nas exposições do festival mas também nos debates que devem abarrotar esses casarões à beira-mar.

Estão escalados para contar suas histórias artistas como a espanhola Laia Abril, que causou comoção no último Festival de Arles, na França, Bárbara Wagner, consagrada pela atual Bienal de São Paulo, o cineasta Gabriel Mascaro, de "Boi Neon", entre outros.

Suas falas também devem chamar a atenção para espaços esquecidos de Santos, ruínas que os organizadores do festival esperam ver sair do ostracismo com as exposições.

Uma delas, a Casa da Frontaria Azulejada, construída no século 19 e hoje com as paredes cobertas de trepadeiras, abriga outra seleção de ensaios fotográficos de peso.

Ali estão as visões de um Japão pós-tsunami do argentino Alejandro Chaskielberg e uma antologia de portos mediterrâneos do espanhol Juan Valbuena, além de dois trabalhos sobre a floresta amazônica –o clássico livro sobre os ianomâmis de Claudia Andujar e George Love e uma instalação do peruano Roberto Huarcaya.

"Todos têm a ideia de um tempo que passa", diz o espanhol Horacio Fernández, curador do festival. "A ideia era falar de Santos como um lugar onde se encontra uma natureza distinta, um novo destino."

VALONGO FESTIVAL INTERNACIONAL DA IMAGEM
QUANDO de 12/10 a 16/10
ONDE diversos endereços, em Santos (SP)
QUANTO grátis
PROGRAMAÇÃO no site do evento


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