Folha de S. Paulo


Crítica

Livro sobre 'Memórias do Cárcere' retraça escrita e proposta da obra

A obra de Graciliano Ramos tem despertado o interesse de jovens pesquisadores, voltados na sua maioria para o diálogo do escritor com o melhor do pensamento contemporâneo, como Agamben, Rancière e Esposito.

As novas leituras saem da zona de conforto oferecida pela crítica canônica tradicional, a fim de mostrar como as "Memórias do Cárcere", por exemplo, ultrapassam em muito seu período histórico e as questões políticas aí em jogo, configurando uma instigante política da escrita da atualidade.

A atitude não deixa de ser polêmica e arriscada diante de um autor que conjugou, a partir de certa época de sua vida, literatura e militância política, sem deixar que uma se submetesse à outra.

Nesse sentido, 1945 é um ano emblemático para a vida e a obra de Graciliano: filia-se ao PCB e inicia a redação das "Memórias", que retratam sua prisão por Vargas, entre 1936 e 1937, sem processo e acusação formal.

"As Armas de Papel", livro de Fabio Cesar Alves, enfrenta essa questão a partir de um ponto de vista regressivo, de lastro histórico e documental, limitando-se a acompanhar a posição do narrador das "Memórias", desdobrado entre o militante e o detento.

Revela ainda de que modo o processo de escrita, definido como "crispação" –quando o fluxo narrativo é entrecortado pelas digressões do narrador–, mistura "registro, recordação e reflexão". Nada que a fortuna crítica de Graciliano já não tenha demonstrado à exaustão.

Mas a sensibilidade do crítico em vários momentos, a postura cerrada da sua proposição de leitura, a atenção aos manuscritos do escritor, tudo isso manifesta uma vontade de compreensão do livro que se mostra esclarecedora de pontos deixados em aberto por outros leitores da obra.

Baseado em pesquisa cuidadosa de fontes primárias, ele refaz a escrita do livro e a proposta de "pensar, por meio da literatura, a realidade brasileira no que ela comporta de mais problemático e sombrio".

Em seus melhores momentos, Alves cumpre o prometido, ao detalhar a análise radical feita por Graciliano dos impasses sociais e políticos do país, em uma das muitas ocasiões da história brasileira em que relações paternalistas e anseio de modernização se mostram unidos.

Mais ainda, quando trata com rigor das posições do militante em confronto com as reminiscências do preso, compondo uma sorte de memorabilia da escrita à disposição dos leitores.

Armas De Papel
Fabio Cesar Alves
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A rigor, as "Memórias", tidas por muito tempo como obra menor do autor, revelam a excelência da sua fatura e a lucidez incomum do memorialista "intérprete do Brasil".

Mostrar a forma como esse enlace se dá é um dos méritos de "Armas de Papel". A lamentar a já batida investida contra teóricos estrangeiros, como se Marx, Weber ou Gledson –teóricos "alienígenas"?– não o fossem. Vai por conta da nossa "desorganização nacional", diria Mário de Andrade.

AS ARMAS DE PAPEL
AUTOR Fabio Cesar Alves
EDITORA 34
QUANTO: R$ 59 (336 págs)


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