Folha de S. Paulo


Tom Zé completa 80 anos com novo álbum e duas apresentações em SP

Eduardo Anizelli/Folhapress/Eduardo Anizelli/Folhapress
Tom Zé, que comemora 80 anos na terça, lambe uma maçã em sua casa
Tom Zé, que comemora 80 anos na terça, lambe uma maçã em sua casa

O cantor e compositor baiano Tom Zé completa 80 anos na próxima terça (11). Para comemorar, apresenta antes, neste sábado (8) e domingo (9), dois shows no Sesc Pompeia. Mas, diferente do que habitualmente acontece nessas ocasiões, o momento do artista não é de retrospectiva.

Tom Zé está lançando o álbum de músicas inéditas "Canções Eróticas de Ninar - Urgência Didática". Suas letras vêm de lembranças sexuais de sua infância na Bahia. Safado e brincalhão, vai contra o discurso dominante de agressividade contra a mulher que historicamente transparece na música popular.

Em casa, em Perdizes, o cantor diz à Folha que acha natural continuar gravando coisas novas.

"Eu acho que Deus cria uma armadilha, só deixa a gente colocar uns 40% das ideias quando faz um disco. Fica coisa de fora. É uma estratégia que provoca você a ficar com trabalho na barriga, gestando, uma gravidez constante."

Se reunisse o material de sua carreira para a comemoração, ele teria menos a pesquisar do que sua importância no cenário musical merece. Tem 25 discos de estúdio gravados. Seriam mais, porque seu ritmo é intenso. Treze álbuns foram produzidos desde 2000, quando foi "adotado" por uma nova geração.

Essa revalorização é fruto da influência de David Byrne. O então líder do Talking Heads conheceu o trabalho do baiano no final dos anos 1980 e foi responsável por lançá-lo numa escala mundial.

Isso resgatou Tom Zé de um período muito ruim, quando fazia planos deixar a carreira. Entre 1978 e 1990, gravou só um álbum, "Nave Maria ". Os anos 1980 foram, ironicamente, o período mais rentável para colegas como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Vindo da Bahia, onde nasceu Antônio José Santana Martins, Tom Zé aparece com eles na capa do álbum "Tropicália ou Panis et Circensis", de 1968, manifesto do então emergente movimento.

Tom Zé diz aceitar os rumos diferentes dos integrantes da Tropicália. Enquanto parceiros cumprem turnê nostálgica, ele toa a bola para frente.

-

TOM EM 5 MÚSICAS

- SÃO, SÃO PAULO
A música que venceu o quarto festival da Record está no disco de estreia, "Grande Liquidação" (1968). Mistura singeleza e agressividade

- SENHOR CIDADÃO
Faixa do álbum "Se o Caso É Chorar", de 1972. Debaixo de ditadura, a letra pergunta com quantos quilos de medo se faz uma tradição

-
A música simboliza o disco "Estudando o Samba" (1976), uma esquisitice experimental que chamou a atenção de David Byrne anos depois

- GENE
Faixa que abre o disco "Defeito de Fabricação" (1998), obra conceitual em que Tom Zé vê o Terceiro Mundo habitado por robôs

- PAPA FRANCISCO, PERDOA TOM ZÉ
Do disco "Trubunal do Feicebuqui" (2013). Nela Tom Zé se defende das críticas de ter dado uma música para propaganda da Coca-Cola

-

TRAJETÓRIA

Tom Zé passou por grandes e pequenas gravadoras. Hoje, está feliz como independente. "A Livraria Cultura sempre compra meus discos, aos poucos, mas nunca para. Outras lojas também. Mas eu vendo muito disco em show. Eu sou da roça, sempre carinhoso, isso ajuda a vender."

Ele conta de um show em Maringá, no mês passado. Pela manhã, mais de cem pessoas foi assistir a uma palestra com ele. A multidão pediu pelos discos e Tom Zé começou a vendê-los. "Depois fiquei sem disco para o show, e teve gente que veio de outras cidades. Sempre me arrependo de levar pouco estoque."

O artista diz que agora suas finanças estão equilibradas. "Minha vida é muito barata. Nossa maior despesa é com os condomínios dos apartamentos." São dois no mesmo prédio, um moradia e outro escritório. "Fazemos tudo aqui", referindo-se a ele e Neusa, sua mulher há décadas e também quem cuida de sua carreira.

"Neusa trabalha demais, muito mais do que eu queria. Realmente é minha companheira. Tivemos fases muito duras. Entre os anos 1970 e meus discos que o David Byrne lançou nos Estados Unidos, já nos anos 1990, Neusa ganhava mais do que eu."

Tom Zé conta que só comprava carros com cinco ou seis anos de uso e era sustentado pelos universitários. "Apenas as entidades estudantis contratavam o meu show. Eu mesmo atendia o telefone, falava com eles e acertava o show." O dinheiro era tão pouco que ele fez planos para voltar à Irará, sua cidade natal, para trabalhar no posto de gasolina de um tio.

A relação com Byrne mudou tudo. E teve um lance de sorte para se concretizar.

O fundador do Talking Heads veio ao Rio exibir em festival seu filme "True Stories", e procurou algumas lojas de discos para comprar amostras de sons brasileiros. Acabou levando uma cópia do álbum "Estudando o Samba", que Tom Zé gravou em 1976.

Meses depois, em casa, foi surpreendido pela inventividade dos sambas desconstruídos, num disco experimental que tem até sons de liquidificador no meio da percussão.

Do convite para incluir duas faixas numa coletânea de brasileiros, a coisa cresceu.

Byrne lançou um disco de músicas do baiano, em 1990. E oito anos depois veio o álbum "Defeito de Fabricação", eleito pelo jornal "The New York Times" um dos dez melhores daquele ano. Desde então, Tom Zé grava sem parar.

Ele acredita que o que chamou atenção do americano foi a capa de arame farpado."

Se a teoria dele é correta, não seria a primeira vez que uma capa tem tanta importância em sua vida. No disco "Todos os Olhos", de 1973, o poeta Décio Pignatari (1927-2012) usou uma bolinha de gude colocada em um ânus feminino para fazer um olho, o que passou incólume pela censura da ditadura.

"Uma loja no centro de São Paulo exibia na época um pôster enorme na vitrine com a capa do disco. Era uma diversões ficar olhando aquilo."


Endereço da página: