Folha de S. Paulo


Filósofo alemão Peter Sloterdijk fala no Fronteiras do Pensamento

"Não há choque de civilizações, mas uma colisão dos sistemas simbólicos de imunização que nós chamamos de 'culturas'. Trata-se, então, da necessidade de civilizar culturas que já não se entendem como 'civilizações'."

Assim Peter Sloterdijk define o tema de sua conferência desta quarta (5) em São Paulo, na programação do ciclo Fronteiras do Pensamento.

A "imunização" a que se refere o filósofo alemão é um dos conceitos basilares de "Esferas", sua monumental obra em três volumes. O primeiro traz o subtítulo "Bolhas" e acaba de ser lançado no Brasil pela Estação Liberdade; os volumes seguintes são "Globos" e "Espumas".

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O filósofo alemão Peter Sloterdijk, que fala em São Paulo

Em conjunto, as três partes descrevem o processo pelo qual o ser humano parte da "bolha", da redoma protetora representada por sua simbiose com a mãe, para aos poucos estabelecer múltiplas relações intersubjetivas em esferas amplificadas, "globais": a sociedade e, sobretudo, o Estado-Nação –mas também a religião, as teorias metafísicas e a tecnologia.

Tais construções (psíquicas e sociopolíticas) constituem escudos imunológicos contra as agressões do ambiente e do Real (no sentido psicanalítico daquilo que eclode como um Outro ainda não simbolizado, ameaçador). Na era da globalização, ironicamente, a própria ideia do "globo" explodiu num mar de espumas onde "onde tudo se tornou centro", varrendo as grandes narrativas imunizadoras.

"A quebra das cosmologias clássicas leva a formas de vida individualistas. O individualismo é o reino dos seguros privados, no lugar dos seguros divinos que compartilhávamos no passado. O cosmos não é mais nossa casa. Nossa casa se tornou nosso microcosmos", diz Sloterdijk.

A contrapartida coletiva desse desamparo individual é a eclosão dos fundamentalismos e o retorno a valores tradicionais em meio às massas lançadas ao relento pela exclusão globalizante:

"Os movimentos fundamentalistas mostram que a construção de 'casas' e seguros privados, como sistemas de solidariedade indireta, ainda não é capaz de atender às necessidades daqueles que são simbolicamente e materialmente 'sem teto'."

Diante disso, qual seria a tarefa do filósofo? "Tenho dificuldade com a ideia de que os filósofos devam ter tarefas. Em nosso mundo, o principal problema é a reformatação dos sistemas imunitários coletivos. Eu diria que pensar o formato real das estruturas imunitárias –anteriormente conhecidas como 'culturas'– é a política do filósofo".

Com uma obra que se alimenta não só da tradição filosófica mas também da psicologia, da antropologia, da teologia e das teorias evolucionistas, Sloterdijk diz que "Esferas" pode ser lido como um "romance monstruoso":

"Seus heróis não são pessoas, mas as formas que construímos, nas quais respiramos e pensamos. Pode soar meio 'heideggeriano', mas o objetivo é ir além da fórmula básica [de Heidegger]: ser-no-mundo. Nunca estamos realmente 'no mundo', mas quase sempre em contêineres artificiais. Para mim, 'ser' significa produzir esferas como invólucros nos quais os seres humanos levam suas vidas."


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