Folha de S. Paulo


Crítica

Hesitação dos poemas visuais de 'Taturana' não depõe contra o livro

Fazer do poema um objeto-útil. Um produto de consumo, concebido a partir de formas claras e racionalmente planejadas, capaz de integrar a poesia à sociedade de massas que então surgia e nivelá-la com outras artes funcionais da modernidade como a arquitetura, a publicidade e o design. Esse era um dos projetos mais audaciosos da poesia visual do séc. 20.

Mas que, não raro, esbarrou num obstáculo inerente à sua visão entusiasmada do progresso: o risco de converter seus poemas-objetos em mera mercadoria cultural, de teor kitsch.

"Taturana" é o sétimo livro de poemas de Felipe Fortuna e sugere não fazer muito caso disso, ao tomar o poema visual como inspiração.

Andre Borges / FolhaPress
BRASÍLIA, DF, BRASIL 06-03-2013 16h00: Fotos do poeta Felipe Fortuna na sua residencia em Brasilia. (Foto: Andre Borges / FolhaPress). ***ESPECIAL ILUSTRADA***
O escritor Felipe Fortuna, autor de "Taturana"

Para Fortuna, o "visual" não se resume à sua história, sendo, antes de tudo, "um objeto em trânsito", sempre em busca de "provocar as regras (os semáforos, as faixas de pedestre, as placas)", onde quer que se insinue.

Até aí, de acordo. Exceto pelo fato de o aspecto gráfico não ter um papel decisivo em muitos poemas de "Taturana", sendo meramente decorativo. Daí o poeta preferir buscar a metáfora do seu livro na natureza, e não na sociedade pós-industrial em que vive: "a taturana sabe como o / poema queima onde toca / por onde passa", "qui/sera o meu poema [fosse] o mesm/o rastro o mesmo veneno". Essa hesitação não depõe contra o livro. Antes, o explica.

Isso porque o melhor de Taturana está justamente nos trechos que mais acentuam essa tensão entre a depuração técnico-formal do poema e as formas de vida que, calcadas sob a beleza gráfica da página, parecem repeli-la.

É o caso, por exemplo, dos poemas que tratam da recente situação política do país, como "desmatamento", com seu antislogan: "TRONCO TRONCO TRONCO". Ou, então, "tabela do campeonato", que, imitando a folha contábil de uma velha impressora matricial, faz o balanço dos crimes da ditadura, expondo, também, a cínica cumplicidade da sociedade civil com o regime: "HOUVE TORTURA / HOUVE MORTOS / HOUVE MUITOS / [...] / E HOUVE / DIA DA PÁTRIA / TRADIÇÃO FAMÍLIA PROPRIEDADE".

Mas toda oposição cansa. E a Taturana também passeia à toa. Tem seus momentos contemplativos, de pura nostalgia da vida orgânica e em comunidade, como nos poemas "ostra" e "peixe", dois dos mais singelos do livro.

Ou, então, professa ainda alguma esperança no contato transformador com o outro, como no poema "Pupila", quando diz que: "Se é amor quando te vejo, então é quando me percebo".

É esse desejo de sair de si que dá aos poemas da seção "Eu", compostos a partir de trechos de Augusto dos Anjos, a sua beleza peculiar.

E reforça a mensagem incerta, quase muda, do livro de que, se a poesia e os homens não pode vencer a produção e o mercado.

Taturana: Poemas
Felipe Fortuna
l
Comprar

Podem, ao menos, esboçar o gesto ínfimo de uma recusa: "Então Deus não faz nada novo, apenas faz de novo? Fecho o livro e tento a vida inteira desafiá-lo. Nisso pareço uma criatura sem igual, a exemplo de tantas que existem".

GUSTAVO SCUDELLER é doutor em teoria e história literária pela Unicamp

TATURANA
AUTOR Felipe Fortuna
EDITORA Pinakotheke
QUANTO: R$ 42 (120 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: