Folha de S. Paulo


Inventado por artista, empreiteiro cria polêmica com aberrações urbanísticas

Ele é um viúvo de Sorocaba, cidade do interior paulista. Tem um rosto genérico, que se perde na multidão, emoldurado pela meia careca e por seus óculos de lentes sem aro. Antonio da Silva também se alinha com o lado mais conservador da política –apoia Cunha, Temer, Trump e Feliciano com certo fervor.

Nas redes sociais, esse homem de meia-idade com pinta de bancário ou de analista de sistemas gosta de compartilhar imagens fofas de cachorrinhos, mensagens religiosas com representações sangrentas de Cristo e os melhores momentos de seus ídolos já no poder público ou postulantes raivosos a cargos eletivos –talvez porque precise deles para fazer sair do papel seus projetos mais espalhafatosos.

Em tempos de Lava Jato, Silva é mais um empreiteiro com ambições de mudar a paisagem das metrópoles do país. Ele quer construir um hotel de luxo em forma de banana na praia de Botafogo e uma espécie de shopping em cima do Parque Lage, no Rio, entre outras aberrações de impacto.

Você já deve ter visto esse homem na internet e –em adesivos– na Bienal de São Paulo, na Cinemateca e em museus das duas maiores cidades do país. Alguns, em especial senhoras que se afeiçoaram dele pelo Tinder, juram ter sentido o calor de sua presença na vida real.

Mas Antonio da Silva não existe. Essa figura polêmica, CEO do conglomerado imobiliário Da Silva Brokers, é uma invenção do artista alemão Anton Steenbock, que criou esse rosto fundindo duas caras anônimas que encontrou na internet e desenvolveu uma controversa biografia para ele.

Steenbock inventou uma primeira versão de seu avatar em Berlim, onde estudou, e depois transformou Herrmann Rumpel, o original, em Antonio da Silva quando se mudou para o Rio uns anos atrás, bem na época em que a cidade se preparava para os Jogos Olímpicos e projetos de gosto duvidoso, como os de seu personagem, ameaçavam abarrotar o horizonte.

Nas últimas semanas, Silva começou também a dar as caras na forma de adesivos colados pelo artista em museus e exposições, caso da Bienal, onde seu rosto aparece em alguns banheiros do pavilhão no Ibirapuera e também no painel dos patrocinadores da mostra –talvez sua invasão mais estratégica até agora.

Em paralelo à ascensão de Silva, Anton Steenbock também vem aos poucos deixando o anonimato da arte underground para se firmar como um dos novos queridinhos do circuito artístico, tendo conquistado uma legião de jovens curadores do Rio, de São Paulo e de Frankfurt.

Sua fama, no entanto, veio de se esconder atrás de Antonio da Silva até o momento.

"Eu precisava dessa segunda identidade para desviar um pouco do mercado da arte, do sistema", conta o artista alemão. "Era importante ser levado mais a sério no espaço público, atingir o povo que de repente vai ver esses empreendimentos e reagir, criticar."

Nesse sentido, sua obra está calcada na imitação fidedigna, quase perfeita, da linguagem publicitária –e, não raro, delirante– usada em lançamentos imobiliários.

FIM DOS TEMPOS

Em suas animações 3D, a câmera parece deslizar pelos contornos resplandecentes de superfícies brancas e lisas, às vezes com adornos em vidro e escadas rolantes hi-tech a acentuar a fantasia.

No lugar onde seus prédios seriam construídos, Steenbock também instala outdoors e manda agentes uniformizados distribuir panfletos sobre as novidades planejadas para embelezar a vista.

Quando tentou lançar o Hotel Tropical, a banana na orla de Botafogo, bateu de frente com a ira de manifestantes anti-impeachment que viram em seus banners mais um sinal do fim dos tempos.

No Parque Lage, a reação também foi violenta, animando discussões intermináveis nas redes sociais e forçando a escola a vir a público esclarecer que tudo aquilo não passava de uma obra de arte.

"Teve essa situação de as pessoas acharem que aquele era um projeto de restauro", lembra Adriana Rattes, à época secretária estadual da Cultura no Rio. "Foi engraçado e deu aquele trabalhinho básico de explicar a confusão."

CAMADA DE REALIDADE

Na Trienal de Sorocaba, onde Antonio da Silva acabou criando raízes, Steenbock ocupou o espaço de uma loja num shopping da cidade para mostrar suas maquetes, entre elas a de um templo evangélico que seria erguido ali mesmo, em cima do centro comercial, para o espanto de fiéis e clientes.

"Tinha tantas camadas de realidade que jornais publicaram a notícia como verdadeira. Gosto de abrir esses diálogos e dar uma vacina no público", diz o artista.

"A crítica que eu faço é que o povo não tem muito controle sobre o que está acontecendo na sua cidade. Isso pode ser efeito de uma burocracia enorme ou da anarquia que parte do que os políticos decidem para a população."


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