Folha de S. Paulo


Cerne da 40ª Mostra de SP, Bellocchio ilustra pôster e planeja filme no Brasil

Na paleta do cineasta italiano Marco Bellocchio predomina o vermelho: o mesmo que tinge tanto as vestes dos cardeais quanto as bandeiras dos movimentos de esquerda.

Os dois polos, motores de algumas das maiores paixões da península, povoam a filmografia do diretor e dão as caras no pôster desenhado por ele para a 40ª edição da Mostra de Cinema de São Paulo, que começa em 20 de outubro e o homenageia com uma seleção de 11 filmes seus.

Venturelli/Getty Images
TAORMINA, ITALY - JUNE 12: Marco Bellocchio attends 62 Taormina Film Fest Dinner Party - Day 2 on June 12, 2016 in Taormina, Italy. (Photo by Venturelli/Getty Images) ****FOTO COM CUSTO**** ORG XMIT: 646860525 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O cineasta italiano Marco Bellocchio, homenageado da Mostra de SP

O cineasta de 76 anos, um dos dos maiores diretores italianos vivos, também aproveitará a vinda para prospectar locações no Brasil para seu novo filme.

"Não sei se o desenho ficou feio ou bonito, mas não tinha a intenção de criar uma paisagem feliz. Não é meu estilo", diz Bellocchio à Folha. "Uni formas diferentes que tivessem um significado condizente com minha história."

O cartaz, explica o diretor, funde a cúpula da Igreja Católica, no topo, o político italiano Aldo Moro, ao centro, e uma multidão em torno de Lênin, abaixo. Faz referência a "Bom Dia, Noite" (2003), um dos filmes mais famosos do diretor, sobre o sequestro de Moro pelo grupo de guerrilheiros de extrema esquerda Brigadas Vermelhas, em 1978.

'TRAGÉDIA ITALIANA'

"Bom Dia, Noite" é um dos filmes que serão exibidos na Mostra de São Paulo. "É o centro da minha obra", diz Bellocchio. "O filme reflete experiências minhas da juventude, de quando fui simpatizante, utopicamente, de formas radicais de esquerda."

Hoje, afirma, "não existe mais na Itália aquela paixão política, o sentimento que bancava a subversão ao Estado". Após o que chama de "tragédia italiana", que foi a ação das Brigadas Vermelhas, adveio outra forma de terrorismo, internacional: "a contraposição das civilizações".

Os demais filmes da retrospectiva remoem temas caros ao universo de Bellocchio, como o catolicismo e a família.

É desse último aspecto, que já despontava em "De Punhos Cerrados" (1965), que trata "Belos Sonhos" (2016), seu longa mais recente. O filme, que estreou em Cannes, em maio, terá sua primeira exibição brasileira na Mostra.

Na trama, inspirada no livro autobiográfico "Fai Bei Sogni", do jornalista Massimo Gramellini, um homem de meia -idade se vê incapaz de superar a morte da mãe.

"Fiquei fascinado por essa relação tão intensa, feliz, entre os dois", diz. "Talvez porque na relação com minha mãe não tenha havido essa intensidade de amor e afeto."

Divulgação
Pôster definitivo da 40ª Mostra de SP
Pôster definitivo da 40ª Mostra de SP

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Diretor virá ao Brasil para rodar filme sobre delator da Cosa Nostra

Marco Bellocchio quer aproveitar sua vinda ao Brasil para conhecer florestas. "Há florestas em Minas Gerais?", questiona o cineasta.

Ele irá emendar sua homenagem na Mostra de São Paulo com uma viagem de busca de locações para seu próximo filme, que deverá ter cenas rodadas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

"Il Traditore" (o traidor) vai abordar a figura de Tommaso Buscetta (1928-2000), o "Don Masino", sujeito que delatou seus parceiros da Cosa Nostra, a máfia siciliana.

"O tema da traição tem a sua complexidade", pondera o diretor. "[Buscetta] traiu uma organização que o traiu, então, para ele, foi uma traição que não existiu", afirma.

Nos anos 1970, durante uma disputa por poder interno na Cosa Nostra, Buscetta fugiu para o Brasil –mais um que engrossou o imaginário romântico do país como um refúgio para contraventores.

Aqui, o mafioso caiu nas garras da ditadura e foi torturado para confessar acusações de tráfico internacional de drogas, que sempre negou.

Extraditado para a Itália, fugiu da cadeia e retornou ao Brasil, de onde foi expulso pela segunda vez, em 1983. Enquanto isso, na Itália, o clã rival dizimou seus parentes, incluindo dois filhos seus.

Na Europa, Buscetta fez um acordo com a Justiça, dedurou mais de 300 criminosos e expôs as conexões da Máfia com a política italiana, inclusive com o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti.

"Ele admitia que nunca foi um mafioso amador, mas renegava a Máfia que considerava sanguessuga", diz o diretor Marco Bellocchio. "Achava que traidores eram aqueles que não respeitavam o decálogo da Máfia tradicional, na qual se reconhecia."

O diretor ainda busca uma atriz brasileira para interpretar Cristina, com quem "Don Masino" casou em 1968. "Por causa dela, ele dizia que passou seus anos mais felizes no Brasil", afirma Bellocchio.


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