Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Burburinho político ajuda e atrapalha 'Aquarius'

Ao longo da semana que passou, despontaram, em sites e nas redes sociais, textos ressaltando aspectos de "Aquarius" que escaparam à recepção imediata do filme, cuja carreira iniciou-se da forma mais prestigiosa possível, na seleção oficial em Cannes.

À entrada da sessão de estreia no festival, em 17 de maio, a equipe do longa protestou com cartazes contra o impeachment de Dilma Rousseff. Seria suficiente para associar o filme ao momento político, o que só se aprofundou com sua estreia comercial na semana do afastamento definitivo da presidente.

O burburinho foi benéfico para a bilheteria do primeiro fim de semana, dado crucial para a permanência em cartaz. "Aquarius" foi a segunda melhor estreia daquela semana, só ficando atrás de "Pets - A Vida Secreta dos Bichos" segundo a média de espectadores por cópia exibida.

Mas é lícito perguntar quanto a vinculação a temas políticos exógenos à trama não nubla a recepção do complexo segundo longa de Kleber Mendonça Filho. Como ele passará para a história?

"Aquarius" foi descrito na maioria das críticas como a luta solitária de Clara (Sonia Braga) contra os tubarões do capital imobiliário. Ficaram de fora dos primeiros comentários questões como a sexualidade na terceira idade e, mais importante, as contradições da protagonista

Espertamente, Mendonça Filho fez de Clara uma personagem menos tipificada do que os de seu longa anterior "O Som ao Redor" (2012).

Ela não é uma pobre coitada. Tem outros imóveis que não o apartamento em disputa, em frente do qual se banha todo dia, vigiada pelos salva-vidas que cuidam que seu mergulho não seja afetado por tubarões, esses reais. É a velha mistura de público e privado ilustrada de novo.

Clara é um coronel à beira-mar –mas o público, afeito a um herói (ou heroína), superou suas ambiguidades, um dos aspectos mais ricos do filme, a fim de melhor se identificar com sua luta.


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