Folha de S. Paulo


Performances de Tunga emocionam a crítica no aniversário do Inhotim

Minutos antes da performance, um coquetel animava o gramado à beira de um dos lagos do Inhotim. Taças tiniam em brindes ao aniversário de dez anos do megamuseu no meio do mato, e o jet-set da arte se maravilhava com o céu cheio de estrelas espelhado na represa –tudo turbinado por refletores verdes e violetas.

Mas essas cores quase radioativas logo sairiam de cena para dar lugar ao vermelho. Em silêncio total, todos marcharam até uma das galerias envidraçadas do museu à espera dos bailarinos que entrariam pelados ali para se lambuzar de geleia cor de sangue.

Era a grande atração da noite. Juntos a um emaranhado de frascos avermelhados pendurados do teto como marionetes, aqueles homens e mulheres fariam reviver "True Rouge". Essa instalação de Tunga foi uma das primeiras a entrar para a coleção de Bernardo Paz, empresário do minério que transformou sua fazenda nos arredores de Belo Horizonte numa espécie de Disneylândia das artes visuais.

"Tunga é o maior artista brasileiro. Ele é uma explosão, tinha uma inteligência sobrenatural", dizia Paz, sobre o artista morto há três meses e grande estrela da celebração da primeira década do museu, que decidiu reencenar suas ações mais famosas na semana passada. "Vejo as obras dele e choro. Era o meu melhor amigo."

Paz, aliás, não é o único a sentir essa paixão. Dizem que quando fizeram a primeira dessas performances no Inhotim, antes mesmo da abertura do museu para o público, a mulher do artista à época se atirou no lago, em êxtase diante da beleza daquela visão.

Talvez pensando nisso, a coreógrafa Lia Rodrigues, que idealizou a performance com Tunga, tenha decidido fazer uma mudança dramática. Em vez de detonar a ação com os bailarinos já dentro da galeria, ela escondeu todos no lago.

Depois que um ator no meio da plateia fez um discurso sobre jararacas entrelaçadas –alusão à performance "Vanguarda Viperina", que envolve cobras sedadas e foi cancelada por causa de protestos de defensores dos animais– eles saíam da água aos poucos, como répteis em transe, à luz verde dos refletores.

Um a um, eles trepavam no guarda-corpo à beira do lago para entrar na galeria, atravessando a multidão. Ninguém dizia nada –no ar, só cliques das máquinas fotográficas e o ronco dos sapos na mata.

Lá dentro, eles afundavam as mãos em tinas brancas, de onde tiravam e esticavam montes de gelatina vermelha. Essa gosma sanguínea de repente lembrava um véu translúcido, que cobria o corpo nu dos bailarinos como uma segunda pele viscosa.

Mais para o meio da ação, eles entornavam os baldes de geleca e se refestelavam no chão, numa agonia em câmera lenta emoldurada pela vermelhidão. Tunga, aliás, havia pensado nisso inspirado por um poema escrito em forma de equação pelo britânico Simon Lane, mas a performance desconstrói todo o rigor métrico da escrita numa espécie de explosão orquestrada, o caos regido como um balé.

Mesmo os mais calejados críticos, artistas e diretores de museu ali pareciam embasbacados, muitos choravam.

Mas as demais performances deixaram um tanto a desejar. As famosas "Xifópagas Capilares", as gêmeas unidas pelos cabelos imaginadas pelo artista, circularam horas antes pelo museu. As garotas eram adoráveis, mas tudo teve mais a cara de um número de circo do que a mesma potência de "True Rouge", talvez pela lembrança confortável de sempre ver essas meninas de costas em fotografias em preto e branco.

Na hora da sopa de beterraba servida diante de outra escultura de Tunga, mais uma de suas ações na linha rubra, a repulsa de uns ao tubérculo impediu um mergulho total na obra. Até Bernardo Paz desviava das colheradas que a mulher tentava enfiar na sua boca. Mas nada impediu, no entanto, que o museu revivesse o espírito intenso de um artista maior. E a noite terminou com aplausos para Tunga.


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