Folha de S. Paulo


Diretor de 'Aquarius' diz que derrota 'está em sintonia com política do país'

Apesar de ser apontado como favorito, "Aquarius" não irá representar o Brasil a uma possível vaga ao Oscar.

O escolhido pela comissão do Ministério da Cultura foi "Pequeno Segredo", dirigido por David Schurmann, de acordo com anúncio feito na tarde desta segunda (12), na Cinemateca, em São Paulo.

A escolha já repercute nas redes sociais e chegou ao diretor de "Aquarius", Kleber Mendonça Filho, que está com a atriz Sonia Braga no Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá. Ele se pronunciou no Facebook, alegando ser "bem possível que a decisão da comissão esteja em total sintonia com a realidade política do Brasil", que seria "coerente e já esperada".

O cineasta pernambucano aproveitou a publicação para enaltecer sua obra, evidenciando que "Aquarius" "é um filme que já faz parte da cultura e desse tempo, num ano difícil no nosso país".

"No final das contas, 'Aquarius' é um filme sobre o Brasil", concluiu. "Talvez seja exatamente esta honestidade que tenha feito de 'Aquarius' um filme forte como agente cultural, social e produto da nossa indústria do entretenimento".

Leia a íntegra:

Soube aqui no Festival de Toronto da decisão via Ministério da Cultura de não indicar "Aquarius" como candidato brasileiro ao Oscar. Estou numa tarde de entrevistas e já vendo o tipo de reação que tem surgido na imprensa e redes sociais. É bem possível que a decisão da comissão esteja em total sintonia com a realidade política do Brasil, ou seja, é coerente e já esperada. Para além de decisões institucionais via Governo Brasileiro, "Aquarius" tem conquistado internacionalmente um tipo raro de prestígio, e isso inclui distribuição comercial em mais de 60 países enquanto já se aproxima dos 200 mil espectadores nos cinemas brasileiros, com um tipo de impacto popular também raro. Mais ainda, é um filme que já faz parte da cultura e desse tempo, num ano difícil no nosso país. No final das contas, "Aquarius" é um filme sobre o Brasil, que está no filme da maneira mais honesta possível. Talvez seja exatamente esta honestidade que tenha feito de "Aquarius" um filme forte como agente cultural, social e produto da nossa indústria do entretenimento. Sonia está aqui do lado, poderosa como Clara. Ela manda beijos!

Membro da comissão instituída pelo Ministério da Cultura, o produtor gaúcho Beto Rodrigues foi quem anunciou "Pequeno Segredo" como o escolhido. Segundo ele, o comitê avaliou dois critérios para eleger "Pequeno Segredo": qualidade técnica e artística, e adequação ao "pensamento da Academia".

POLÊMICA

A derrota de "Aquarius" para "Pequeno Segredo" agora deve reforçar as críticas que já existem no meio cinematográfico de que o filme de Kleber está sofrendo retaliações do governo Temer. Isso porque o longa estreou em Cannes, em maio, sob um ruidoso ato anti-impeachment encampado pela equipe do filme.

A própria composição do comitê que escolheu o representante brasileiro nasceu sob polêmica, conforme antecipado pela Folha. Instituída pelo Ministério da Cultura, a comissão teve entre seus nove membros o crítico Marcos Petrucelli, que já usou seus perfis em redes sociais para depreciar o protesto feito por Kleber em Cannes.

Conforme aumentou a controvérsia, dois integrantes do comitê –o diretor Guilherme Fiúza Zenha e a atriz Ingra Lyberato– deixaram o posto e foram substituídos pelos cineastas Bruno Barreto e Carla Camurati. E três diretores desistiram de inscrever seus filmes em apoio ao longa de Kleber: Aly Muritiba ("Para Minha Amada Morta"), Anna Muylaert ("Mãe Só Há Uma") e Gabriel Mascaro ("Boi Neon").

Petrucelli disse que sua contrariedade se limita às posições políticas do diretor e que isso não iria afetar seu julgamento na comissão. Outros membros também negaram partidarização.

À Folha Petrucelli disse que "Aquarius" foi muito discutido na reunião, mas ele lembrou que o perfil dos membros da Academia tende a ser "mais velho, mais conservador".

Alfredo Bertini, que chancelou os nomes da comissão, disse que a polêmica é infundada e que o processo de escolha de Petrucelli seguiu os trâmites normais e teve "transparência absoluta".

REPERCUSSÃO

Parte do meio cinematográfico não reagiu bem ao anúncio de que "Pequeno Segredo" destronou "Aquarius".

"Foi um ataque a todo mundo que trabalha com cinema", diz a diretora Anna Muylaert à Folha. "O perfil de filmes que a Academia escolhe é o dos que têm impacto mundial: sucesso no país de origem e lá fora. 'Aquarius' teve isso."

A produtora Vania Catani concorda. "A gente ainda não conhece 'Pequeno Segredo', que pode até ser genial, mas ninguém ainda viu", diz ela, que já teve um de seus filmes ("O Palhaço") indicado para representar o Brasil no Oscar, em 2011, e que também já foi integrante do comitê, no ano seguinte.

"Quando estive na comissão, vi o quanto a trajetória de um filme influencia na decisão. Não ter trajetória é algo que desfavorece."


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