Folha de S. Paulo


Em crise, Cultura e TV Brasil correm para levar ao ar novo 'Vila Sésamo'

Foi preciso um ultimato da matriz americana para que a nova versão da "Vila Sésamo" finalmente saísse do papel.

Negociada pela Sesame Workshop com os canais públicos TV Cultura e TV Brasil em 2014, os episódios deveriam estrear em outubro de 2015. Nada.

Após a insistência, começaram a ser produzidos em agosto e estão previstos para ir ao ar em outubro, um ano depois. O corte de gastos nas duas TVs públicas explica o atraso.

Eduardo Anizelli/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 06-09-2016, 20h00: Os personagens da Vila Sesamo Elmo e Come Come, no estudio da TV Cultura, em Sao Paulo. A TV Cultura faz nova versao do programa. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO***
Elmo e Come Come gravam no estúdio da TV Cultura, em São Paulo

Orçada inicialmente em R$ 15 milhões –R$ 4,5 milhões da TV Brasil, R$ 10 milhões da Cultura e R$ 500 mil da americana Sesame Workshop–, "Vila Sésamo" teria 130 episódios, distribuídos em cinco temporadas.

Com o atraso, os americanos avisaram que retirariam o projeto das emissoras públicas e chegaram a procurar outros canais infantis no Brasil, como os pagos Gloob, Discovery Kids e Nickelodeon.

Acabaram renegociando 52 capítulos em duas temporadas com as TVs públicas. Um terço dos 20 minutos de cada episódio está sendo produzido aqui; o restante é dublagem de cenas importadas.

Segundo a Sesame, o custo de R$ 115 mil por capítulo foi mantido. No final, a TV Brasil investiu R$ 1,5 milhão e a Cultura não informou valores.

AMERICAN WAY

Elmo, Come Come, Grover (o velho Arquibaldo) e o restante dos bonecos (fabricados nos EUA) desembarcaram no Brasil, finalmente, em junho. Agora, sem Garibaldo: à plumosa ave amarela faltou compatibilidade cênica.

Bete Rodrigues, a diretora, explica que seria inviável enquadrar o pássaro, que tem escala humana, no cenário feito para fantoches: uma cidadela suspensa em estacas de madeira a 1,40 m do chão.

Os manipuladores (dois por personagem) ficam em pé e precisam erguer os braços, em gestos milimetricamente orientados pelos americanos. Desde o ângulo em que as bolas plásticas que servem de olhos precisam fitar a câmera até os tons de voz que os atores precisam alcançar.

"A voz do Come Come é aqui, na garganta", mostra Paulo, acariciando o pescoço. Ele acabara de gravar, na terça (6), um esquete com a convidada Palmirinha Onofre cozinhando bolo de cenoura.

A famosa culinarista é uma das celebridades que visitarão a Vila Sésamo –como os músicos Chico César e Jair Rodrigues, as atrizes Luana Piovani e Maria Fernanda Cândido e o atleta paraolímpico Fernando Fernandes.

"Nossa preocupação é preservar a diversidade de gêneros e racial", comenta João Amorim, representante da Sesame no Brasil. Segue a cartilha que acompanha o programa desde o seu início nos EUA, em 1969: ensinar igualdade às crianças.

No ano seguinte à morte de Martin Luther King, "Sesame Street" foi pioneiro ao escalar dois atores negros como protagonistas com igual importância à dos colegas brancos. Também cumpriu função educativa, ao ensinar conceitos como o alfabeto e os números a crianças de 3 a 6 anos que nem sempre estavam na escola.

"A gente mira nessas crianças da internet, que com certeza vão gostar. Mas também buscamos as que não têm acesso à informação", diz Thiago Cruz, um dos roteiristas.

Com carreira no humor, ele escreve também para o "Legendários" (Record). Na nova versão, aliou o conteúdo educativo (com diretrizes enviadas pela matriz em um pen drive) ao "nonsense que as crianças de hoje curtem".

"Busquei no YouTube os primeiros episódios americanos. Eram quase hippies, malucos, transgressores. Bebemos nessa fonte", diz Cruz.

Há um esquete em que Grover (o velho Arquibaldo) apresenta um game show sobre fazendas e imita a risada de Silvio Santos, com um microfone de milho no peito como o do "patrão". Em outro, o boneco acha que uma meia pode ser seu animal de estimação. É zoado pelos amigos, e assim aprende a identificar os seres vivos.

Na quinta (8), "Vila Sésamo" sofreu um revés. A greve dos funcionários da Cultura, que pedem pagamento de dissídio e reajuste salarial, paralisou a produção a uma semana do fim das gravações.

Com o afastamento de Dilma Rousseff, a TV Brasil alterou seu regimento e diretoria, tornando-se estritamente estatal. A emissora federal informou que ainda vai definir a data de sua estreia para "Vila Sésamo".

*

Programa teve Sônia Braga nos anos 1970 e foi refilmado em 2007

Coproduzida por Cultura e Globo, "Vila Sésamo" estreou em preto-e-branco no Brasil em 1972, três anos depois da versão americana.

O formato revolucionou a programação infantil com esquetes repetitivos, com poucos minutos.

Divulgação
ORG XMIT: 551401_0.tif Televisão: a atriz Sônia Braga e o boneco Gugu, do programa infantil
A atriz Sônia Braga e o boneco Gugu no "Vila Sésamo" dos anos 1970

Como a professora Ana Maria, que contracenava com crianças de escolas públicas, Sônia Braga venceu o Troféu Helena Silveira de Revelação Feminina.

Os produtores da novíssima versão convidaram a atriz para uma aparição em um dos episódios. Mas a agenda de Sônia, que mora em Nova York, estava lotada.

"Vila Sésamo" foi exibida pela Globo até 1977 e voltou, trinta anos depois, repaginado em uma nova temporada na TV Cultura em 2007.


Endereço da página:

Links no texto: