Folha de S. Paulo


Crítica | Filme na TV

Romance e sexualidade guiam tramas de filmes da semana

Acaso ou não, a Semana da Pátria está povoada de filmes em que a sexualidade é central. A começar por "Videodrome", filme de David Cronenberg a ser exibido nesta segunda (5), e a acabar pela história de amor entre duas mulheres em "Carol", filme de Todd Haynes que foi indicado em seis categorias do Oscar e que será exibido no domingo (11).

O período ainda conta com clássicos como "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci, e "O Desprezo", de Jean-Luc Godard, além de tramas mais leves como em "Melhor É Impossível" e "Match Point - Ponto Final".

Leia abaixo quais são os destaques desta semana, selecionados pelo crítico da Folha Inácio Araujo:

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SEGUNDA (5)

Trailer de 'Videodrome'

A espantosa atualidade de "Videodrome" (1983, TCM, 0h) já se mostra quando o professor O'Blivion nos diz que esse não é seu nome real, e que no futuro todos teremos nomes especiais, "nomes que farão o tubo de raios catódicos ressoar".

Ele se refere à tela da TV, que talvez hoje nem seja mais a que "se tornou retina da mente" –talvez essa seja hoje a tela do computador ou do celular. Em ambos, o hábito de usar nomes alternativos é coisa tão frequente quanto as personalidades que os acompanham.

"Oblivion" quer dizer esquecimento. Talvez alguém ainda se lembre que o Google substitui boa parte de nossa memória. E grandes sucessos do cinema baseiam-se na perda ou troca de identidade.

Nada disso é espantoso porque David Cronenberg, autor deste filme, é um visionário, que encaixa fatos espantosos em intrigas originais como esta, em torno de um pornógrafo que busca imagens únicas para seu canal.

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TERÇA (6)

Trailer de 'Bruna Surfistinha'

O sexo está presente, mas de maneiras tão diversas, em dois filmes de hoje que parecem tratar de matérias diversas, talvez opostas.

Em "O Último Tango em Paris" (1972, TC Cult, 19h35), de Bernardo Bertolucci, ele existe entre a vida e a morte, o desespero (do homem, Marlon Brando) e a vitalidade (da mulher, Maria Schneider). Ele existe entre vida e morte, vazio e plenitude.

Bem outro é o caso de "Bruna Surfistinha" (2011, HBO2, 22h), em que uma jovem de classe média se torna prostituta. O corpo como mercadoria entra em cena duas vezes.

Primeiro, o da jovem: há um lado de revolta nesse corpo. O filme não o explora –nem de longe. Explorá-lo incorreria no risco de evitar que o corpo voltasse a ser mercadoria, fílmica agora.

Foram dois filmes de sucesso, cada um à sua maneira. "O Último Tango" assombrou e escandalizou; "Bruna" se contentou em satisfazer nossa curiosidade de voyeur.

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QUARTA (7)

Trailer de 'Um Alguém Apaixonado'

Por acaso ou provocação a Semana da Pátria está povoada de filmes em que a sexualidade é central. No Arte 1, por exemplo, temos "Um Alguém Apaixonado" (2012, 1h).

Uma das razões de ser um filme tão apaixonante é que nunca podemos sequer perscrutar com clareza as razões de uma jovem se prostituir. Outra, a distância entre as bem diversas paixões de um jovem ciumento e de um velho professor, no último filme solo do magnífico Abbas Kiarostami (1940-2016).

Mas não ficamos por aí: o documentário da série "Filmes que Marcaram Época" (Curta!, 21 e 1h) de hoje é dedicado a "A Regra do Jogo", de Jean Renoir. Em seguida entra o documentário dedicado a Lauro Escorel (Curta!, 22h e 2h), um dos principais fotógrafos brasileiros. Bom para entender a luz no cinema.

Por fim: "Independência ou Morte" (1972, Canal Brasil, 15h35), com muito orgulho e com muito amor.

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QUINTA (8)

Trailer de 'O Desprezo'

É como se em "O Desprezo" (1963, TV5 Monde, 20h30) todos os mitos tivessem um encontro marcado. Primeiro BB, Brigitte Bardot, o maior mito sexual de sua época. Depois, Jean-Luc Godard, o mais provocativo cineasta de todos os tempos. Por fim, mas não por último, Fritz Lang, o grande cineasta alemão, já aposentado.

Como se não bastasse, ainda existe Homero e a "Odisseia", que Lang está encarregado de filmar e durante o qual terçará lanças com Jack Palance, o produtor do filme.

O quadro não estaria completo sem lembrarmos os estúdios de Cinecittà, onde a filmagem acontece e onde tantos heróis das produções mitológicas italianas se encontram. E sem mencionarmos o roteirista, Michel Picolli. Pois ele é o marido de Brigitte. É ele que será desprezado.

O filme mais linear de Godard. E, num espantoso cinemascope, certamente um dos mais belos filmes de todos os tempos. Não se pode perder.

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SEXTA (9)

Trailer de 'Melhor É Impossível'

Há filmes que desaparecem (após muitas exibições na TV) e retornam tempos depois, já quase esquecidos. Caso típico: "Melhor É Impossível" (1997, TCM, 16h45), que deu a Jack Nicholson seu terceiro e merecido Oscar e a Helen Hunt seu primeiro (único por ora) e menos merecido, sejamos francos.

Helen faz a garçonete e única pessoa no mundo que o mal-humorado escritor Jack suporta. Pior, ele começa a se interessar por ela. Mas, se quiser alguma coisa com a moça precisará aguentar o vizinho homossexual numa viagem.

Nicholson conduz humor, mas muito bem assessorado pelo texto de James L. Brooks, um diretor de poucos filmes, mas não raro bem inteligentes.

Já o brasileiro "Corações Sujos" (2011, Canal Brasil, 15h30) desperdiça o ótimo livro de Fernando Morais sobre a colônia japonesa em São Paulo no pós-guerra (em especial a parcela que não acredita que o Japão a tivesse perdido).

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SÁBADO (10)

Trailer de 'Match Point'

Uma parte dos filmes de Woody Allen, não a mais apaixonante, toma o acaso como centro da trama. Isso acontece em "Match Point - Ponto Final" (2005, TC Cult, 17h35), em que um ex-jogador profissional de tênis torna-se professor em um fechado clube britânico.

De amizade em amizade, de aula em aula, o professor acaba casando com Chloé, a filha de um milionário, e envolvido com uma uma bela atriz americana, Nola. Claro que vai dar problema.

Ah, sim, o professor arrivista é leitor de Dostoievski e seu "Crime e Castigo", o que não lhe dará boas ideias. Viverá entre os dois. O essencial, porém, é que Allen, de tempos em tempos, e sobretudo em incursões europeias, troca os personagens do cotidiano por outros, de existência convencional e/ou literária.

Ok, Woody nunca é mau de todo. Mas nunca é tão bom quanto tratando de seus fracassados nova-iorquinos e de suas sofridas famílias judaicas.

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DOMINGO (11)

Trailer de 'Carol'

Se há uma coisa que eu gosto em Todd Haynes é que não se impressiona com tendências que pedem os filmes cada vez mais rápidos. Nada disso: seu "Carol" (2015, Max, 21h) empenha-se, isso sim, em criar a atmosfera estranha, um tanto sufocante, que o domina.

Sim, estamos na história de amor entre a homossexual Carol (Cate Blanchett) e a jovem Therese (Rooney Mara), que também se descobre homossexual. Existem as cores, o estranho vermelho das roupas e lábios de Carol. Seus modos retirados: como se a tragédia a espreitasse e ela soubesse disso.

Existe também o flerte. Há quanto tempo eu não via um flerte decente no cinema? Os olhares, o surgimento da atração, os gestos que aproximam, no caso, as namoradas.

É uma história delicada, mas não propriamente leve. Estamos nos anos 1950, para começar. E, para terminar, Carol está em um processo nada simples de separação do marido. Bom filme.


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