Folha de S. Paulo


Cinco documentários exploram os bastidores do impeachment

José Eduardo Cardozo, advogado de defesa de Dilma no impeachment, entrou no estúdio de um programa de TV já cercado por câmera e microfones. Era a equipe da documentarista mineira Petra Costa que o seguia. "Acompanham tudo, vão em casa, no escritório", disse Cardozo.

Petra (de "Elena") está por trás de um dos ao menos cinco projetos de documentários sobre a crise política e o afastamento de Dilma que estão sendo rodados. As equipes se tornaram presença frequente nos corredores do Congresso e do Palácio da Alvorada.

Divulgação
Documentario do diretor Douglas Duarte sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Grupo de advogados que entregaram pedido de afastamento de Dilma, retratados por Douglas Duarte

Só a diretora mineira afirma ter mais de 500 horas de gravações. O acesso que os aliados da petista deram aos documentaristas fomentou desconfiança na oposição.

"Me incomoda muito acharem que vamos fazer um filme panfletário. É um trabalho de nuances, um registro histórico", afirma Petra.

A mesma queixa é feita pela brasiliense Maria Augusta Ramos. A cineasta, que assina filmes com forte veia crítica, como "Justiça", diz que começou a filmar o impeachment por "angústia pessoal".

As duas conseguiram acesso a reuniões de senadores da bancada do PT. Segundo assessores dos parlamentares, foram autorizadas a gravar encontros privados, em que são discutidos discursos e estratégias de atuação. Há registros também de desabafos e críticas à atuação da própria Dilma e do partido.

"Foquei personagens que participaram da comissão. Aécio não estava. Falei com o Cássio Cunha Lima [líder do PSDB]. Mas tive muito mais acesso aos senadores que são contra [o afastamento de Dilma]", afirma Maria Augusta.

Anna Muylaert ("Que Horas Ela Volta?"), César Charlone ("O Banheiro do Papa") e Lô Politi ("Jonas") se juntaram num terceiro documentário, tocado a seis mãos. O foco é a crise política a partir da perspectiva de Dilma.

"É sobre o afastamento da primeira mulher eleita", diz Lô, que atuou com o marqueteiro João Santana na campanha petista de 2014. "Criei um elo durante a campanha e ela deixou que a filmássemos."

Lô tem acesso ao Palácio da Alvorada, à presidente deposta, aliados e assessores.

Petra e Maria Augusta não tiveram autorização formal para circular na Câmara. A primeira contou com a "boa vontade" de um deputado do PTB. A outra filmou a votação do lado de fora, onde havia manifestantes pró e contra o afastamento de Dilma.

O goiano Adirley Queirós (do premiado "Branco Sai, Preto Fica") está documentando a crise fora dos corredores do poder. Para seu "Era Uma Vez Brasília", ele tem entrevistado pessoas comuns da capital e da cidade-satélite de Ceilândia, onde vive. "É político, mas o foco é como as pessoas que não são políticas veem tudo isso", afirma.

Circula entre cineastas que Silvio Tendler ("Jango" e "Os Anos JK") também prepara um filme sobre a crise. A reportagem não conseguiu localizar o diretor, um dos principais documentaristas brasileiros.

Alan Marques/ Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 31.087.2016. Foto feita em 29.08.2016. A cineastra Petra Costa acompanha a Sessão do Senado Federal para o julgamento do Impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) ILUSTRADA
Petra Costa acompanha votação do impeachment no Senado

DE ONDE VEM O DINHEIRO

Primeiro diretor a filmar a crise, o carioca Douglas Duarte deu uma pausa nas gravações. O grosso de seu material foi feito quando o processo ainda tramitava na Câmara.

O impeachment não era seu alvo inicial, mas o retrato de "políticos radicais".

Douglas acabou conseguindo uma credencial, mas viu a história sobre políticos ser engolida pelo impeachment.

"Achei que deveria aproveitar para expor como o Congresso funciona. No dia em que a OAB foi entregar seu pedido de impeachment, virou um caos, com deputados se empurrando como se estivessem no pátio do colégio."

Dos cinco, Douglas e Adirley estão sendo financiados com dinheiro público. O primeiro ganhou R$ 300 mil em edital da Rio Filmes. Já o segundo é patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura, do governo do Distrito Federal.

No plenário do Senado são comuns as insinuações de que o PT patrocina os filmes.

"Todos os custos são pagos pela minha produtora", afirma Petra. Maria Augusta também diz que está bancando do próprio bolso: "Vou procurar parceiros. Não vou usar a Rouanet." Anna, César e Lô também dizem ter investido o próprio dinheiro no filme.

Maria Augusta conta que esteve no Alvorada, acompanhando reuniões de Dilma. Diz que ela parecia não "curtir" a filmagem, mas estava à vontade. A diretora vê certo "heroísmo" nos senadores do PT que travaram batalha retórica para defendê-la na Casa.

"Foi comovente vê-los se esgoelando mesmo sabendo que iam perder." Ela diz, porém, que não se conduz por lógica "binária". "Não tem essa de golpista e não golpista."

Douglas diz não ser "fã" da presidente deposta. "Mas apesar dos problemas com Dilma, respeito a democracia."

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CINEMA POLÍTICO | Diretores e seus projetos

Adirley Queirós
O foco de "Era Uma Vez Brasília" é a percepção da crise a partir de pessoas comuns do Distrito Federal

Anna Muylaert, Lô Politi e Cesar Charlone
Abordam a crise a partir do ponto de vista de Dilma e têm acesso à presidente deposta e seus aliados

Douglas Duarte
"Excelentíssimos" começou como retrato de figuras do Congresso e foi engolido pelo impeachment

Maria Augusta Ramos
Diz que busca um retrato apartidário da crise política e tem entrevistado diversos parlamentares sobre o tema

Petra Costa
A diretora de "Elena" e "Olmo e a Gaivota" tem circulado pelos corredores do Congresso e filmado os protestos do lado de fora


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