Folha de S. Paulo


Crítica

Vinterberg faz transição da utopia política ao drama psicológico

Muita água já correu debaixo da ponte desde que o nome de Thomas Vinterberg emergiu no cenário internacional como um dos fiéis representantes do Dogma 95 e repercutiu com o vigoroso "Festa de Família" (1998).

Se os rumos tomados depois pelo diretor dinamarquês frustraram quem acredita que a originalidade tem de ser progressiva, "A Comunidade" o reaproxima da capacidade de representar comportamentos, que era o aspecto mais forte e menos novidadeiro de "Festa de Família".

O novo longa de Vinterberg começa com a visita de um casal e a filha adolescente a um imóvel. O que parece ser a busca de uma nova moradia pela família estável logo se transforma em uma experiência além do prosaico.

Essa brecha entre ações e reflexos anuncia a lógica de que o filme se serve ao recriar ideais, como o coletivismo e o amor livre, temas que "A Comunidade" situa nos anos 1970, mas que ainda representam muito do que se julga moderno na moral do século 21.

A casa que vimos ser reocupada pela família composta por Erik, Anna e Freja surge, no momento seguinte, como o lugar que também pode abrigar amigos desgarrados e pessoas que nunca se viram, transformando em realidade o ideal da diversidade e da convivência embutido no título.

Na primeira etapa, assistimos em cenas breves à concretização da ideia de democracia direta, na qual o filme introduz os dois polos de sua parábola, o desejo individual e a convivência social, como não contraditórios.

Na segunda, a entrada em cena de Emma, jovem aluna de Erik, estabelece um novo patamar, quando a razão coletiva tem de se reequilibrar com o interesse sentimental. A ordem sofre abalos, mas o princípio da maioria se impõe.

O último ato desloca a tensão para outro polo, quando um personagem tenta se subordinar à vontade geral e para isso tem de suprimir o que seria a expressão do egoísmo.

Resumida assim, a progressão sugere uma metáfora simplória da sociedade. Seu impacto, porém, decorre do registro naturalista como Vinterberg rege o conjunto e as partes, o que permite a transição sem sobressaltos da utopia política ao drama psicológico.

O método da crueldade de "Festa de Família" e que também fornecia os efeitos mais incômodos de "A Caça" (2012) volta depurado dos excessos.

No lugar do choque e da provocação, Vinterberg assimilou uma dramaturgia ao modo do cinema de Bergman, em que o personagem não está em crise somente com os outros, mas é contraditório em si mesmo. O resultado é um filme em que a simpatia e o mal-estar são menos imediatos e mais duradouros.

A COMUNIDADE (Kollektivet)
DIREÇÃO Thomas Vinterberg
ELENCO Fares Fares, Ulrich Thomsen, Trine Dyrholm
PRODUÇÃO Dinamarca, 2016, 14 anos
QUANDO: Estreia nesta quinta (1º)


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