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Produtores usam documentos falsos para aprovar 'Maysa' na Lei Rouanet

Folhapress
Maysa 1966 Foto: Folha Imagem
A cantora Maysa em 1966

Com orçamento de R$ 15,7 milhões, o projeto "Maysa", feito em parceria pelas produtoras Fidellio e Brancalyone para captar verbas de isenção fiscal na Lei Rouanet, tramita no Ministério da Cultura com documentação falsificada.

Com direção geral de Jayme Monjardim, filho de Maysa, e previsto para circular por três capitais, o projeto propunha 88 apresentações de um musical baseado na vida da cantora, além de exposição de itens pessoais.

A Folha apurou que, entre os meses de maio —quando a Cnic (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) aprovou "Maysa"— e agosto, as duas produtoras responsáveis pelo projeto utilizaram quatro orçamentos forjados para justificar gastos de R$ 2,5 milhões com aluguel de aparelhos de ar-condicionado.

O primeiro, anexado ao projeto em fevereiro, traz a marca da Loca Energy, empresa localizada em Embu das Artes (SP). Datado de 3 de agosto de 2015, o documento traz logotipo e informações da empresa, mas o proprietário Joaquim Carlos Aranha afirma nunca ter feito esse orçamento.

"Esse papel timbrado, essas informações, é tudo falso", diz. "E na história da minha empresa, nunca fiz orçamento que se aproximasse sequer de R$ 500 mil."

Aranha aponta precariedade nas especificações do orçamento forjado, "algo que só quem não conhece faria". Por exemplo, a utilização de BTU (sigla de unidade térmica britânica, usada em aparelhos de pequeno porte) ao invés de TR (tonelada de refrigeração, cuja unidade corresponde a 12.000 BTUs).

No orçamento fabricado, as produtoras pedem valor para a locação de 20 aparelhos de ar-condicionado, com potência de 170.000 BTUs, durante 180 dias. O documento sugere preço de R$ 700 ao dia por aparelho, chegando assim ao total de pouco mais de R$ 2,5 milhões.

Na sexta (26) —seis meses depois da apresentação do orçamento falsificado e três meses depois da aprovação na Cnic—, um segundo documento com a marca da Loca Energy apareceu incorporado a "Maysa". Ele trazia especificações e valor semelhantes ao do primeiro, mas a data de 23 de agosto de 2016. Tinha ainda uma assinatura de Aranha —que, segundo ele, é falsa.

Além desse, foram juntados outros dois orçamentos: um da empresa Nautika —no valor de R$ 2,2 milhões— e outro com a assinatura d'A Geradora —R$ 2,6 milhões. Assim como Aranha, representantes das duas empresas negam terem feito tais orçamentos.

Felipe Assunção, gerente comercial da Nautika, diz que a proposta encaminhada "não consta em nosso sistema" e as assinaturas dele e de Marcio Pela, consultor de eventos, não pertencem a eles.

A Geradora, por meio de sua assessoria, afirma que "o orçamento apresentado não foi emitido pela empresa", e que "fará um boletim de ocorrência e tomará as medidas judiciais necessárias".

Depois que a reportagem entrou em contato com o MinC para ter informações sobre o projeto "Maysa", o ministério suspendeu a aprovação da Cnic, impossibilitando que o trâmite continuasse

OUTRO LADO

Edinho Rodrigues, sócio da Brancalyone, confirmou na terça (30) que as falsificações partiram de sua produtora. Ele afirma que um funcionário, sem seu conhecimento, forjou os documentos para que fossem usados no projeto.

A confirmação veio um dia depois de Rodrigues enviar nota em que afirmava: "A empresa que represento é parceira da Fidellio, que é a responsável pelo projeto".

Também por meio de nota, Deco Gedeon, produtor da Fidellio, disse que a responsabilidade pelos orçamentos era da Brancalyone. Afirmou que entraria com notificação extrajudicial para que Rodrigues pudesse explicar o ocorrido e, "diante de eventual silêncio (...), todas as medidas judiciais serão tomadas."

Jayme Monjardim, diretor de "Maysa", disse que não sabia que a Fidellio -com quem havia acordado o projeto- mantinha parceria com outra produtora. Ele afirma que não lidou com orçamentos.

José Paulo Soares Martins, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, ressaltou que os produtores são responsáveis pela veracidade das informações enviadas. "Nós não temos estrutura e nem seria papel do ministério fazer checagem de todo orçamento apresentado." O secretário diz que a fiscalização ocorre durante a execução e na prestação de contas.

Agora, o MinC deve encaminhar o caso à área jurídica. Confirmada a falsidade, os proponentes responderão ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle.


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