Folha de S. Paulo


'Aquarius' chega ao circuito embalado por polêmicas e voltagem política

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Filme brasileiro mais falado do ano, "Aquarius" estreou no Festival de Cannes, em maio, cinco dias após o processo de impeachment ser instaurado, e chega ao circuito comercial na mesma semana em que se dá seu desfecho.

Nada dos humores partidários está na trama, mas o filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho adquiriu inevitável voltagem política desde que diretor e equipe empunharam cartazes contra o afastamento de Dilma, no tapete do festival francês. E é contagiado pela política que ele estreia nesta quinta (1º).

Ainda que sua filmografia sempre estivesse recheada de forte carga social, até "Aquarius" Kleber não era um diretor marcadamente político. Ele discorda.

"Seria impossível fazer um filme que não fosse político", diz ele à Folha. "Daria trabalho fazer algo em que eu esterilizasse o Brasil, onde a vida é toda cheia de tensão."

Não há mesmo nada de estéril no Brasil que o diretor exibe em "Aquarius". A trama segue a luta de Clara, jornalista aposentada, contra uma construtora que tem planos de demolir o prédio em que vive, no Recife. Além do libelo contra a especulação imobiliária, o cineasta lança farpas contra igrejas, a mídia e as relações de poder no país.

Alguns desses alvos já apareciam em seu longa de estreia, "O Som ao Redor" (2012), que rodou o mundo e trouxe aclamação crítica ao cineasta. Mas a brutalidade que naquele longa estava expressa nas imagens, em "Aquarius" migra para os diálogos.

E tem em Sonia Braga, a protagonista, a porta-voz de discursos inflamados contra a "má educação dos ricos", a cumplicidade entre os donos do poder e outras mazelas.

"Ela enfrenta um conflito muito claro. Verbaliza, se posiciona", diz o diretor, comparando seus dois filmes. "Em 'O Som ao Redor', esses conflitos eram todos difusos."

Clara também se comporta politicamente por outras vias: é uma sexagenária sexualmente ativa, impositiva.

"Como se representa uma mulher num filme? Se ela abaixa a cabeça para os homens, o filme é conservador. Se é dona do nariz, é progressista. Juro que não pensei em fazer uma personagem progressista de propósito."

Kleber afirma que a personagem tem traços de sua mãe, historiadora que "estava sempre apontando para as coisas e explicando", e que despertou nele o interesse em abordar o tema da memória.

"Para mim, Clara é só uma mulher forte. Mas a representação é política: projetada na tela, as pessoas identificam modelos. Vira uma bandeira."

'NERVO EXPOSTO'

Depois do protesto na França, o filme virou bandeira política contra o governo interino. Neste mês, o Ministério da Justiça determinou que o longa é impróprio para menores de 18 anos, o que foi visto pelos produtores como retaliação –a sugestão era de que a classificação fosse para maiores de 16 anos.

A Secretária do Audiovisual nomeou Marcos Petrucelli, crítico que já depreciou o diretor, para o comitê que vai escolher qual filme representará o Brasil no Oscar.

Tanto Petrucelli quanto o secretário do Audiovisual dizem que a polêmica é infundada e que a contrariedade do primeiro só se refere às posições políticas de Kleber.

Duas pessoas abandonaram a comissão após grita no meio cinematográfico. A atriz Ingra Lyberato afirmou se sentir pressionada e foi substituída, na segunda (29) pela cineasta Carla Camurati.

Kleber diz que não imaginava a repercussão do ato, ou do "pequeno gesto", como se refere ao protesto. "Mas se teve repercussão, é porque atingiu um nervo que estava exposto. Só faltava acessá-lo."


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