Folha de S. Paulo


Filha de Glauber, cantora Ava Rocha encanta EUA e festivais brasileiros

Alexandre Sant'Anna
A cantora e compositora Ava Rocha, filha de Glauber, em ensaio na estrada do Corcovado, no Rio
A cantora e compositora Ava Rocha, filha de Glauber, em ensaio na estrada do Corcovado, no Rio

Afeito a rótulos e repetições, o jornalismo tem espalhado que Ava Rocha é uma cantora parecida com Gal Costa e Cássia Eller.

"Muita gente não acha isso. Nem eu mesma acho. E é doido, porque Gal e Cássia não se parecem. Se eu pareço com as duas, é porque não pareço com nenhuma. Olha que legal!", ironiza. "Talvez queiram dizer que meu trabalho é singular."

A vida de Ava é singular. Não tanto por ter perdido o pai aos dois de seus 37 anos. Mas por seu pai se chamar Glauber Rocha (1939-1981). E ela se chamar Ava Patrya Yndia Yracema. Bullying garantido na escola.

Sobreviveu, cresceu e foi fazer cinema, mesmo sendo (ou por ser) filha do mais célebre cineasta brasileiro.

"De tudo o que eu faço, cinema é o que está mais presente", diz ela, diretora (de "Hysteria", ao lado de Evaldo Mocarzel, por exemplo) e editora de filmes e clipes. "O resto são coisas que vão cruzando o meu caminho. Mas, de dez anos para cá, fiquei mais focada na música."

O foco vem dando resultados. O CD "Diurno", que lançou em 2011 à frente de uma banda chamada Ava, teve boa aceitação. E seu primeiro trabalho solo –cujo título é seu nome singular– ficou em quarto lugar na lista dos melhores de 2015 do crítico Ben Ratliff, do "New York Times".

Alexandre Sant'Anna
A cantora e compositora Ava Rocha, filha de Glauber, em ensaio na estrada do Corcovado, no Rio
A cantora e compositora Ava Rocha, filha de Glauber, em ensaio na estrada do Corcovado, no Rio

Ratliff também incluiu Ava na seleção feita pelo jornal americano, a propósito da Olimpíada, do que é essencial na música brasileira.

Em agosto, ela fez quatro apresentações em lugares pequenos de Nova York (cem a 200 pessoas), mas respeitados no circuito alternativo, como Joe's Pub e Nublu.

Em outubro, participará dos festivais Popload (dia 8), em São Paulo, e Coquetel Molotov (15), em Belo Horizonte, e se apresentará em Buenos Aires e Montevidéu.

"Tudo tem sido uma surpresa para mim. E tudo tem sido resultado de um movimento natural. Não há dinheiro intermediando, tráfico de influência", diz. "Não é um feito pessoal. Minha música só está lá por causa da força da música brasileira contemporânea. Hoje sou eu, amanhã é outra pessoa."

No amplo cenário do qual ela se orgulha de fazer parte, estão artistas que participaram de "Ava Patrya Yndia Yracema", como Jonas Sá (produtor do disco), Domenico Lancellotti e os três músicos que formaram a banda Cê, acompanhante de Caetano Veloso: Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado.

"Quando ela ainda estava preparando o CD anterior, fiquei impressionado com a voz grave, o jeito de cantar. Era diferente de tudo o que estava surgindo", conta Callado. "Mas, com aquele repertório, ela ainda não chegava ao lugar a que chegou agora. Tem feito canções, mas sempre disposta a experimentar."

BANDEIRA

Ratliff citou o tropicalismo em seu texto sobre Ava, e logo se espalhou pela imprensa que ela é descendente direta do movimento.

"Sou filha disso tudo: da antropofagia, da obra do meu pai, do Zé Celso [Martinez Corrêa], do Hélio Oiticica. Mas não me interessa carregar bandeira", rechaça. "O tropicalismo ainda tem certa ideia de como se deve fazer música, é ligado à tradição da música brasileira. Esse controle da canção não me interessa. A música contemporânea feita no Rio pode ser feita em qualquer lugar do mundo."

Das 12 faixas do CD, quatro contam com a assinatura de Leonardo Campelo Gonçalves, o Negro Leo, marido de Ava.

Duas delas são destaques do repertório: "Você Não Vai Passar", que ganhou o Prêmio Multishow na categoria novo hit; e "Auto das Bacantes", feita sob o impacto das manifestações de junho de 2013.

Ouça no soundcloud

O casal tem a filha Uma, título e uma das vozes da nona faixa do álbum. Ava dedica as manhãs a ela e, sempre que pode, vai levá-la à escola e buscá-la. Não tem empregada e mora em Santa Teresa, bairro carioca no qual o sonho hippie ainda não acabou.

Antidiva, excede em alguns quilos o padrão hegemônico de beleza. Os dentes da frente, afastados, atraem a atenção do interlocutor, sobretudo em meio às risadas súbitas e largas. O rosto redondo evoca o do pai.

XAMÃ

Filha da poeta, artista plástica e cineasta colombiana Paula Gaitán –por sua vez, filha do poeta Jorge Gaitán Durán–, Ava cresceu cercada por arte, no Rio ou em Bogotá. Diz cantar desde criança ("Eu queria ser o Tim Maia"), mas recebeu um incentivo fundamental de Zé Celso.

Quando ela trabalhava na filmagem do espetáculo "Os Sertões", em 2006, o diretor do Teatro Oficina quis acompanhá-la ao piano. Ava entoou Nelson Cavaquinho, Monsueto, Tom Jobim. E ele a escalou para interpretar "Luar do Sertão" no espetáculo.

"Ela tem uma voz potente, que ocupava todo o espaço do Oficina. E tem os olhos e o magnetismo do Glauber. As letras das músicas são roteiros. Ela vai se transformar num xamã, como o pai", exalta Zé Celso, que a conheceu ainda bebê.

Assista

Em "Diurno", ela incluiu músicas da sua cabeceira, como "Bons Momentos" (do repertório dele, Tim Maia), "Movimento dos Barcos" (Jards Macalé/Capinam) e "Pra Dizer Adeus" (Edu Lobo/Torquato Neto).

O álbum foi lançado graças a um contrato com a multinacional Warner. Entre outras desavenças, a gravadora não aceitou liberar as faixas na internet. Ava foi ser independente e rompeu também com a banda. "Você fica presa a uma sonoridade numa banda, porque os instrumentos já estão dados, não se pode mudar. E eu não me prendo a nada", afirma.

Em seus shows, ela por vezes canta músicas ligadas a seu nome: "Iracema"; de Adoniran Barbosa; "Índia", sucesso de Gal Costa; e "Canoa, Canoa" (Nelson Angelo/Fernando Brant), em cuja letra "Ava" está presente.

Ela sonha ampliar um show que realizou apenas uma vez, em abril passado, no Sesc Itaquera: "O Som de Glauber por Ava Rocha". São composições dele, músicas de seus filmes, falas em produções alheias e outras matérias-primas.

"Nós dois convivemos pouco, mas a obra dele enriqueceu nossa relação. Tenho grande admiração pelo artista que ele é e tenho plena consciência da sua força", diz Ava, que tem quatro irmãos por parte de pai.

Ela vem cantando em ocupações de espaços realizadas por grupos que, entre outras propostas, fazem oposição ao governo interino de Michel Temer. Mas não dissocia a militância de seu trabalho artístico, no qual estão o feminismo, o anticonsumismo e outras causas. "Meu palco é uma ocupação."

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PARA VÊ-LA

OCUPAÇÃO AUDIO REBEL/QUINTAVANT
QUANDO 2 e 3/9, às 18h30
ONDE Biblioteca Parque Estadual, av. Presidente Vargas, 1.261, Rio
QUANTO grátis
CONVERSA No sábado (3), Ava ainda faz, das 14h às 17h, um debate gratuito com Paula Gaitán no Centro Municipal de Artes Helio Oiticia (r. Luís de Camões, 68, Rio, tel. 21-2242-1012/ 223204213).

POPLOAD FESTIVAL
QUANDO 8/10, a partir das 15h
ONDE Urban Stage, r. Voluntários da Pátria, 498, São Paulo, tel. (11) 2309-4061
QUANTO R$ 300 a R$ 700 (entrada do festival)

COQUETEL MOLOTOV
QUANDO 15/10, a partir das 16h
ONDE CentoeQuatro, pça. Ruy Barbosa, 104, Belo Horizonte, tel. (31) 3222-6457
QUANTO R$ 20 (entrada do festival)

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PARA OUVI-LA

AVA PATRYA YNDIA YRACEMA
ARTISTA Ava Rocha
GRAVADORA Circus Produções
QUANTO R$ 25 (CD), R$ 80 (LP) e grátis (digital, em avarocha.com )

DIURNO
ARTISTA Ava
GRAVADORA Warner Music
QUANTO R$ 36,95 (CD) ou US$ 5.99 (R$ 19,50), no iTunes


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