Folha de S. Paulo


Sem retoques ultrajantes, edição 2017 do calendário Pirelli trará 14 atrizes

O calendário Pirelli entrou no imaginário popular como uma versão gourmetizada dos pôsteres com moças curvilíneas que forram borracharias de todo o mundo. Para a edição de 2017, Peter Lindbergh, 71, decretou: chega de "bimbos" (gíria em inglês para garotas belas e desmioladas).

"O jeito que as mulheres são apresentadas hoje Não é um crime, mas é terrível", diz à Folha o fotógrafo responsável por uma das capas mais icônicas da "Vogue": a reunião, em 1990, das então "new faces" Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e outras.

Publicado desde 1963 pela fabricante italiana de pneus, o calendário já desnudou total ou parcialmente de Kate Moss a Gisele Bündchen e tem festas disputadas -na de 2012, no Pier Mauá carioca, o ator Owen Wilson pediu foto com o ex-presidente Lula, sentado à mesa com Sophia Loren e Eike Batista. Neste ano, o lançamento ocorre no fim de novembro, em Paris.

Para a edição, Lindbergh -em sua terceira produção para a Pirelli- prega mais naturalidade. "Quando você vê essas pessoas superretocadas nas revistas, é como se fosse proibido mostrar que alguém viveu."

Não que o elenco escolhido por ele transpareça a impressão de "gente como a gente" -a não ser que você costume esbarrar na fila do pão com sósias das atrizes Julianne Moore, Uma Thurman, Léa Seydoux, Alicia Vikander e Jessica Chastain.

Essas e outras convidadas seguem o padrão "capa de revista": belas, famosas e quase todas brancas, num tempo em que os departamentos de marketing parecem pensar na representatividade como uma cota a preencher.

Há uma chinesa (Zhang Ziyi), uma negra (Lupita Nyong'o), uma hispânica (Penélope Cruz) e duas idosas (Charlotte Rampling, 70, e Helen Mirren, 71). Ao todo, são 15 mulheres (14 atrizes mais a professora universitária moscovita Anastasia Ignatova), fotografadas entre maio e junho, nos EUA e Europa.

A Pirelli foi mais ousada no calendário de 2016, fotografado por Annie Leibovitz.

A filantropa Agnes Gund, 77, perguntou-se "o que raios eles querem com alguém como eu?" ao receber ligação da marca. A escritora Fran Lebowitz, 65, achou que fosse uma piada. Yoko Ono, 83, e Patti Smith, 69, também foram fotografadas.

A comediante Amy Schumer, 35, riu por último ao posar só de calcinha e salto alto, copo de café na mão e gordurinhas abdominais à mostra. Dona de um manequim 40 com margem de erro de alguns pontos para mais ou para menos, ela já criticou uma revista por citá-la num especial plus-size.

Em 2017, o ponto volta à curva no quesito diversidade, que "não era a meta", admite Lindbergh. Para ele, era mais uma questão de expulsar beldades da zona de conforto. "Não conseguia mais ver o Oscar. Todas as mulheres que eu amava parecendo zumbis, com saltos com os quais nem conseguem andar."

E isso que nos faz chegar a este ponto: a Times Square e sua overdose de luzes e turistas. No meio da multidão, de sobretudo preto e maquiagem pouco perceptível, eis Robin Wright -que dias antes estava no noticiário por revelar o quanto penou para ter o mesmo salário de Kevin Spacey, coprotagonista de "House of Cards".

Em Times Square, diz Linderbergh, "ela não estava no controle, era tudo muito bagunçado". Isso a ajudava a baixar a guarda e posar de um jeito que sua personagem na série da Netflix, a calculista Claire Underwood, jamais se permitiria.

Tudo é na base do improviso (e observado de perto por guarda-costas): Wright anda sem rumo, entre covers de Bob Esponja e Capitão América e pedestres que se perguntam se realmente estão vendo uma estrela de Hollywood passar por eles.

Alguns se emocionam, como o atendente de uma barraca de pretzel que acabou trocando as bolas: "É meu primeiro dia [no trabalho] e já vejo a Sharon Stone".

O instinto de autopreservação das atrizes, "todas com um pensamento forte sobre si", por vezes foi selvagem, conta Lindbergh. "No telefone, elas diziam 'sim', depois 'não, não, não'." Nicole Kidman, diz, foi quem ofereceu mais resistência.


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