Folha de S. Paulo


Conceitual e intimista, novo álbum de Martinho da Vila deixa hits de fora

Na música brasileira, Martinho da Vila, 78, é dos poucos que só lançam discos conceituais. Há sempre uma ideia perpassando as faixas.

Em "De Bem com a Vida", o fio condutor é sonoro, sobretudo. O cantor está acompanhado por apenas três instrumentistas: Gabriel de Aquino (violão), Alaan Monteiro (cavaquinho e bandolim) e Gabriel Policarpo (percussão).

Ele pensava em fazer algo ainda mais íntimo: só com cavaquinho. Depois vieram o violão e a ideia de uma primeira faixa conceitual: os dois instrumentos conversam na letra de "Escuta, Cavaquinho", única parceria com o poeta Geraldo Carneiro.

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RIO DE JANEIRO, BRAZIL - AUGUST 21: Singer Marthinho Da Vila performs during the Closing Ceremony on Day 16 of the Rio 2016 Olympic Games at Maracana Stadium on August 21, 2016 in Rio de Janeiro, Brazil. (Photo by Ezra Shaw/Getty Images) FOTO COM CUSTO PARA ILUSTRADA ORG XMIT: 595937415 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Martinho canta entre as filhas Juju Ferreira (esq.) e Analimar Ventapane no encerramento dos Jogos

A percussão chegou para fechar o conceito, que é desdobramento da participação no projeto Inusitado, realizado em 2015 por André Midani.

O ex-executivo de grandes gravadoras convidava artistas para shows não convencionais. Acabou convidado para produzir "De Bem com a Vida".

"Midani me disse que nunca tinha produzido um disco de samba, mas que queria fazer um diferente. Por isso, busquei músicos mais jovens, não os que têm tocado comigo há muito tempo", conta Martinho.

O formato de bolso resultou num repertório também imprevisto. Em vez de sucessos, reuniu sete músicas inéditas –o maior número desde seu CD de 2007– e algumas que tinham sido lançadas por outros artistas, como Simone ("Danado, Danadinho", parceria com Zé Katimba, e "Saravá! Saravá!", com Ivan Lins) e Roberta Sá ("Amanhã É Sábado").

Selecionou somente duas que já gravara: "Choro Chorão", criada em 1975 para Ademilde Fonseca, e "Muita Luz", parceria de 1985 com João Donato. Esta última foi eleita para ser a exceção à regra do CD: Donato está ao piano, Jorge Mautner toca violino e Arthur Maia, baixo.

"O João e o Jorge queriam saber qual era o arranjo. Eu falei: 'Lá no estúdio a gente vê'. O disco cresceu assim, aos poucos", diz ele.

As faixas foram agrupadas por afinidade. No início, os choros. Martinho tem pouca ligação com o gênero, mas foi o escolhido pela carnavalesca Rosa Magalhães para cantar "Carinhoso" na cerimônia de encerramento da Olimpíada. Tornou-se um dos destaques da festa.

No segundo bloco, os temas sensuais, marca registrada de um compositor já considerado machista por causa de canções como "Você Não Passa de Uma Mulher" (1975).

"A ideia do feminismo ainda estava chegando ao Brasil, e algumas feministas defendiam o machismo feminino, as mulheres com todo o poder. Fiz por provocação. Foi um sucesso, mas me arrependo de ter usado 'passa' em vez de outro verbo. Ficou um pouco grosseiro", avalia.

Há músicas relacionadas à África, outra força de seu trabalho, e o bloco final em tom otimista, confiante.

ALEGRIA E LIVRO

Com a participação (acanhada) de Criolo, Martinho canta "Alegria, Alegria, Minha Gente!" –dedicada à mais nova de seus oito filhos, chamada Alegria– e a faixa-título do CD. Em seguida, "Ser Brasileiro" e "Gratidão Musical" (melodia de Sereno).

"O momento do país é muito tenso, de incertezas e com esse processo maluco de impeachment, liderado por quem era o vice-presidente e pelos que foram derrotados nas eleições. Mas sempre acredito que as coisas vão mudar. Estou de bem com a vida", afirma.

Também escritor, Martinho lança seu novo romance, "Barras, Vilas & Amores", na próxima quarta (31), às 19h, no estande da editora Sesi-SP na Bienal do Livro.

DE BEM COM A VIDA
ARTISTA Martinho da Vila
GRAVADORA Sony
QUANTO R$ 29,90


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