Folha de S. Paulo


No centenário de Paulo Emílio, livros, debates e mostra celebram intelectual

Paulo Emílio Sales Gomes foi erguido à condição de totem da crítica cinematográfica nacional ainda que não fosse lá um cinéfilo típico.

"Não era como os que pensam que o cinema se reduz ao que está na tela", lembra o ex-aluno Carlos Augusto Calil. "Cinema para ele era instrumento de análise social."

O seu olhar sobre esse "instrumento" e também o seu lado militante político, escritor, professor e preservador será destrinchado em uma programação que começa nesta semana e se estende até 17/12, dia em que Paulo Emílio, morto em 1977, faria cem anos.

Além de palestras, oficinas e sessões de filmes, haverá lançamento de três livros sobre o teórico paulistano: duas antologias editadas pela Companhia das Letras ("Uma Situação Colonial?" e "Revolução, Cinema e Amor") e uma compilação de textos de autores mais novos, pelo Cinusp.

Divulgação
O crítico de cinema e escritor, Paulo Emilio Salles Gomes [1916-1977], posa com foice e martelo, símbolos do comunismo, em foto feita possivelmente em 1937. [FSP-Mais!-15.12.96]
O crítico de cinema e escritor, Paulo Emílio Sales Gomes posa com símbolos do comunismo em foto da década de 30

VIDA CINEMATOGRÁFICA

Filmes não estavam entre as paixões do jovem politizado que depois fundaria a Cinemateca e ajudaria a criar o Museu da Imagem e do Som e os cursos de cinema da USP e da Universidade de Brasília. Seu percurso, porém, teve elementos cinematográficos.

Enquanto militava nas fileiras da Juventude Comunista, editou a revista literária "Movimento" e desafiou o bibliotecário que rasgou um exemplar a um duelo a tapas.

Preso na perseguição antiesquerdista empreendida por Vargas após a Intentona, fugiu da cadeia aproveitando o furdunço do Carnaval. Ele e outros 16 detentos escaparam por um túnel de 10 km.

Foi no exílio, na Paris do entreguerras, que Paulo Emílio abandonou o Partido Comunista: a escalada de poder de Stálin, à base de torturas e execuções de opositores, o deixa desencantado e ele passa a se definir como um esquerdista independente. Seu olhar crítico nunca perderia a perspectiva da análise política.

E foi em Paris que o futuro crítico deu sua primeira chance ao cinema, ao perceber qualidade artística naquela manifestação. "Na época, dizer que cinema é tão importante quanto literatura era uma heresia", afirma Calil, professor de cinema da USP, ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo e curador da programação de homenagem.

De volta ao Brasil, Paulo Emílio juntou-se a pensadores que viriam a se tornar também referências da crítica modernista em suas respectivas áreas –Décio de Almeida Prado (teatro) e Antonio Candido (literatura)– e assumiu a área cinematográfica da revista "Clima".

O crítico só retornaria a Paris após a Segunda Guerra. Na Europa, passou a trabalhar na Cinemateca Francesa e teve contato com André Bazin, um dos fundadores da revista "Cahiers du Cinéma".

Regressou mais uma vez ao Brasil nos anos 1950 e passou a escrever no "Suplemento Literário", do jornal "O Estado de S. Paulo". Também nessa época começam seus esforços para erguer a Cinemateca.

"Paulo Emílio não pensava na instituição só como um depósito, o que também era importante, mas como centro de formação", diz Calil, integrante do Conselho da Cinemateca. "Mas morreu convencido de que tinha fracassado."

Nos anos 1960, o crítico casou com a escritora Lygia Fagundes Telles, que hoje é conselheira da Cinemateca.

À crítica cinematográfica, legou análise metodológica. "Até então, entendia-se o cinema como diversão, os textos eram à base do 'gostei' e 'não gostei'", diz o ex-aluno.

As análises de Paulo Emílio sobre filmes de alguns de seus diretores favoritos –Chaplin, Fellini, Eisenstein, Jean Renoir– poderão ser conferidas em formato cinejornal,exibidos antes dos referidos longas na Mostra de Clássicos. As sessões começam no dia 1º/9, em abertura no CineSesc, e prosseguem no Cinusp e na Cinemateca.

ESSÊNCIA NACIONAL

Paulo Emílio também voltou seus olhos para pornochanchadas e filmes nacionais populares–aos quais a "intelligentsia" torcia o nariz. "Ele teve o insight brilhante de que era esse cinema precário e convencional que falava do Brasil", afirma Calil.

Em seu texto mais célebre, "Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento", defende o que seria a essência da produção nacional: a "incompetência criativa em copiar".

No país em que a população autóctone foi dizimada para dar lugar a uma outra, mestiça, "nada nos é estrangeiro, pois tudo o é". O cinema nacional, mesmo quando copia o estrangeiro, é original por ressignificá-lo.

E Paulo Emílio veria cinema nos dias de hoje?

"Ele se interessava pelo fenômeno social, porque atraía massas", afirma Calil. "Como o cinema hoje não atrai mais tanta gente, procuraria outra coisa."

DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO

Seminário 100 Paulo Emílio
Mesas, filmes e palestras discutem diferentes perspectivas da obra de Paulo Emilio, com participações de Ismail Xavier e outros. A curadoria é de Carlos Augusto Calil
ONDE Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 2168-1777)
QUANDO qua. (24) e qui. (25)
QUANTO grátis

Mostra de clássicos
Exibe clássicos precedidos de cinejornais com análises do crítico. Abre no CineSesc (1º/9) e depois prossegue no Cinusp e na Cinemateca
ONDE CineSesc (r. Augusta, 2.075, tel. 3087-0500); Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, tel. 3091-3540); Cinemateca (lgo. Sen. Raul Cardoso, 207, tel. 3512-6111)
QUANDO a partir de 1°/9
QUANTO grátis

Nossa incompetência criativa em copiar
Sessões duplas de filmes estrangeiros e brasileiros que se relacionam
ONDE Cinemateca
QUANDO a partir de 15/9
QUANTO grátis

Projeções no vão livre do Masp
Dentro da programação da Mostra de Cinema de São Paulo serão projetados filmes que dialogam com a obra do crítico
ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 3251-5644)
QUANDO de 24/10 a 28/10
QUANTO grátis

Jornada Brasileira do Cinema Silencioso
O projeto retoma com filmes do cinema mudo, como "A Paixão de Joana D'Arc", acompanhados por música ao vivo
ONDE Cinemateca
QUANDO novembro
QUANTO grátis

Clássicos e Raros
Mostra exibe cópias novas de filmes raros, como "Capitu" (1968), de Paulo Cesar Saraceni, roteirizado por Paulo Emílio e por Lygia Fagundes Telles
ONDE Cinemateca
QUANDO em breve
QUANTO grátis

Festival de Curtas de SP
Exibe o biográfico "Paulo Emílio", "Nitrato", sobre a Cinemateca, e "Tem Coca-Cola no Vatapá", roteirizado pelo teórico
ONDE E QUANDO vários locais. Mais informações em
kinoforum.org.br/curtas/2016/
QUANTO grátis

Seminários e cursos de crítica e ensaio cinematográfico
Três cursos: sobre crítica e ensaio cinematográfico, sobre preservação audiovisual e oficina de crítica cinematográfica
ONDE Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. 3254-5600)
QUANTO de R$15 a R$ 60
MAIS INFORMAÇÕES sescsp.org.br/


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