Folha de S. Paulo


Justiça determina quebra de sigilo de e-mails do maestro John Neschling

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O maestro John Neschling, cuja correspondência é considerada fundamental para investigação
O maestro John Neschling, cuja correspondência é considerada fundamental para investigação

A Justiça determinou a quebra de sigilo de e-mails do maestro John Neschling, diretor artístico do Theatro Municipal de São Paulo.

A informação foi antecipada nesta terça (16) pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

As trocas de mensagens são consideradas fundamentais na apuração de suposta participação de Neschling em irregularidades no Municipal, que desde novembro passado tem suas contas examinadas por investigações do Ministério Público Estadual, da Controladoria Geral do Município e em uma CPI na Câmara dos Vereadores.

Segundo a controladoria, entre 2013 e 2015, contratações de espetáculos superfaturados causaram desvios de pelo menos R$ 15 milhões.

As suspeitas sobre Neschling foram levantadas a partir de contratos fechados com um agente internacional, Valentin Proczynski, que também representa o maestro no exterior. Um desses acordos previa a apresentação do espetáculo "Alma Brasileira", que recebeu cerca de R$ 1 milhão, mas nunca entrou em cartaz.

Há também a suspeita de que Proczynski, por meio de sua empresa Old and New Montecarlo, superfaturou contrato entre o Municipal e o grupo catalão La Fura dels Baus. Segundo o diretor da companhia, Carlus Padrissa, em depoimento à promotoria, o agente teria cobrado do teatro valor maior do que o pedido ao grupo para montar o espetáculo "El Amor Brujo", que estreou em julho.

São particularmente os e-mails entre Neschling e Proczynski, além dos que tratam de suas parcerias, que interessam aos investigadores.

A decisão ocorre pouco mais de um mês após a CPI requerer ao Ministério Público a quebra de sigilo fiscal e bancário do maestro. O pedido foi aprovado na comissão, mas a votação foi anulada por erro processual.

Também ocorre às vésperas de um depoimento de Neschling à comissão parlamentar, agendado para esta quarta (17), a partir das 10h.

É a segunda vez que o maestro é convocado a responder questões sobre o Municipal; na primeira, em 6 de julho, não compareceu –alegou que estava no exterior.

A mulher de Neschling, a escritora Patrícia Melo, sócia da empresa PMM Produções Artísticas, pela qual o maestro recebe seu pagamento, também foi convocada à CPI.

As investigações já atingiram dois executivos do Municipal: José Luiz Herencia e William Nacked. Herencia, que foi diretor-geral da casa até o fim do ano passado e fechou acordo de delação premiada, concordou em devolver aos cofres públicos R$ 6 milhões em verbas desviadas.

Em sua delação, Herencia mencionou supostas irregularidades cometidas pelo secretário de Comunicação de Fernando Haddad (PT), Nunzio Briguglio Filho, que intermediou a contratação de "Alma Brasileira".

Briguglio diz que o fez como ação de marketing para promover São Paulo e o Theatro Municipal no exterior.

Nacked, diretor do Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, organização social responsável pelas contas do teatro, foi afastado da função –sempre que procurado, não se manifestou.

OUTRO LADO

Por meio de nota intitulada "Caça às Bruxas", o maestro John Neschling refutou, na terça (16), as suspeitas de participação sua em irregularidades no Theatro Municipal. "É nesse enredo de ficção que agora recebo a decisão de quebra de sigilo e vejo não apenas minha correspondência, mas minha vida devassada", diz.

O maestro reclama que, entre as mensagens que poderão ser acessadas após a quebra de sigilo aprovada na Justiça, "há várias entre meus advogados e eu, e jamais poderiam vir a ser de conhecimento de quem quer me acusar".

Ele lembra ainda que um relatório de investigação da Controladoria-Geral do Município não apontou participação sua em nenhum dos esquemas identificados.

Neschling tem reiterado também, por meio de diversos textos em sua página do Facebook, que não há provas de que tenha cometido delito.

Em 8 de agosto, escreveu: "Da confusão que se estabelece, à luz de uma CPI, saltam aos olhos informações distorcidas e contaminadas". No dia seguinte, publicou texto de seu advogado, Eduardo Carnelós, alegando inocência.

"Nada existe nos autos a sustentar as esdrúxulas acusações feitas por Herencia", diz a postagem, em referência à delação de José Luiz Herencia, ex-diretor geral do teatro, cujo pedido de exoneração em novembro marca o início das investigações. "Apesar disso, a palavra deste [Herencia] foi tomada como verdadeira e suficiente para dar sequência à verdadeira devassa que se promove na vida de quem, não tendo praticado nenhum crime, levou ao prefeito a suspeita de que haveria malversação dos recursos do Municipal", completa.

Ainda segundo o texto de Carnelós, Neschling se colocou à disposição para ser ouvido pela promotoria em março. Ele lembrou também que o Ministério Público pediu seu afastamento da direção do teatro, mas que o pedido teria sido indeferido pela Justiça.

Por meio de Carnelós e da assessoria do Municipal, a Folha tem procurado o maestro, mas todos os pedidos de entrevistas foram recusados até agora.

ENTENDA O CASO

1. Em novembro, José Luiz Herencia, então diretor-geral da Fundação Theatro Municipal, pede exoneração do cargo. Em dezembro, após apreensões em seus imóveis, passa a responder inquérito no Ministério Público. A Controladoria Geral do Município identifica rombo milionário nas contas do teatro, relacionadas a esquema de superfaturamento de óperas.

2. Em fevereiro, Herencia tem bens bloqueados na Justiça. A Promotoria faz nova apreensão no Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, organização social responsável pelas contas do teatro. William Nacked, seu diretor, é afastado do cargo e Paulo Dallari assume a administração geral do Municipal.

3. Em março, com acordo de delação premiada, Herencia envolve outros agentes do Theatro na investigação. Aponta conflitos de interesse em contratações que envolvem um agente internacional de John Neschling, diretor artístico da casa. "Alma Brasileira", espetáculo de grupo catalão que teve parcelas pagas mas não estreou, passa a ser investigado.

4. Em junho, a Câmara Municipal abre CPI do Theatro Municipal. No mês seguinte, Carlus Padrissa, diretor do grupo Fura Dels Baus, atesta no Ministério Público que o agente de Neschling no exterior, Valentin Proczynski, cobrou valor maior do teatro do que aquele que deveria ser pago ao grupo. Relatório da Controladoria aponta que rombo nas contas do teatro são de R$ 15 milhões.

5. Neste mês de agosto, Justiça autoriza a quebra de sigilo dos e-mails do maestro John Neschling. Quebra acontece depois de votação para um requerimento da CPI, com o mesmo motivo, ser cancelada. O cancelamento foi determinado por requerimento do relator da comissão, Alfredinho (PT), sob o argumento de que os procedimentos de votação não foram respeitados.


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