Folha de S. Paulo


Em mostra no MAC, Alex Flemming escava fósseis da vida atual

Divulgação
Obra de Alex Flemming em retrospectiva do artista agora no Museu de Arte Contemporanea da USP Foto: Divulgacao
"Israel"', obra de 2001 da série "Body Builder", de Alex Flemming

Na sala atulhada de bichos empalhados e tapetes persas de seu apartamento paulistano, Alex Flemming reflete sobre o fim da vida. "O importante para mim é o resíduo que a gente deixa", diz o artista, entretido com um copo de conhaque. "No meu caso, o resíduo será cromático, colorido, imagético, de pigmentos."

Essa não é uma conversa triste. Flemming fala da morte na tentativa de explicar uma obra que busca radiografar e celebrar a vida. Seus quase 120 trabalhos agora no Museu de Arte Contemporânea da USP, juntos na maior mostra que já fez, constroem um arco narrativo que vão da flor da juventude até os últimos suspiros.

Traduzindo em corpos, são pinturas, fotografias, colagens e instalações que retratam desde as formas esculturais de atletas no auge da forma a objetos banais que sobrevivem seus donos –cartões de crédito, laptops, sapatos e afins.

"Isso é a vida do início do século 21", resume Flemming. "A trivialidade criptografa a nossa vida, é um espelho da pessoa. Tudo é um grande autorretrato. Na vida e na arte, é importante espelhar o seu tempo, algo que vai acabar."

Nesse sentido, as obras desse artista, sempre lembrado pelos retratos de anônimos que estampou nas vidraças da estação Sumaré do metrô de São Paulo, operam em chave metonímica. São restos que ficam, roupas descartadas, marcas de tinta, malas, telefones e computadores antigos.

Mas nada disso ressurge enquanto ruína. Flemming não faz obras de pegada arqueológica. Seus objetos são resgatados do limbo da história por uma pele tecnicolor –tudo reluz, ganha tonalidades intensas, lustrosas e vibrantes depois de mergulhado na tinta fluorescente.

Divulgação
Obra de Alex Flemming em retrospectiva do artista agora no Museu de Arte Contemporanea da USP Foto: Divulgacao
Instalação com malas de Alex Flemming, parte da mostra do artista no MAC

Velhos laptops de seus amigos enfileirados no chão viram lápides lisérgicas no museu. Suas cuecas e bermudas de décadas atrás agora são retalhos rígidos e coloridos, como sudários da solidão sentida por ele quando se mudou para Berlim, onde ainda vive uma boa parte do tempo.

Mesmo as pinturas de sua mais nova série retratam amigos e conhecidos descarnados. São só silhuetas e traços contra um fundo prateado de pinceladas largas, que exaltam a força dos gestos.

Flemming, desde que despontou no cenário paulistano há quatro décadas, parece construir fósseis de dimensão pop, como se buscasse uma aura de vida mesmo naquilo que já virou relíquia.

É o caso de velhos sapatos, todos idênticos, que usou ao longo de anos e depois amarrou com um cabo de aço num círculo, aludindo a eternos retornos num ciclo de vida.

Telas abstratas, em que aparecem só medidas da altura de artistas amigos, de Gilberto Gil a Paulo Mendes da Rocha, também servem mais como testemunho fugidio, ou índice de presenças ausentes.

Uma ideia semelhante marca as imagens dos atletas que retrata desde a virada do milênio. Sobre barrigas tanquinho e outras partes de corpos perfeitos sempre vistos de forma fragmentária, Flemming estampa mapas de países em conflito, de Israel à Turquia.

Outras imagens de atletas aparecem amassadas, rasgadas ou violentadas. "Mesmo quando eu falo sobre morte e tortura, a obra tem que ser bela, linda, sedutora, retumbante", diz Flemming. "As pessoas que torturam, que fazem a guerra são jovenzíssimas, com o corpo lindo. Deveríamos mudar essa energia destrutiva para que fosse uma energia de cama, boa, para cima."

ALEX FLEMMING
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; até 11/12
ONDE MAC, av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, tel. (11) 2648-0254
QUANTO grátis


Endereço da página: