Folha de S. Paulo


Mostra revê vanguarda japonesa e lembra auge neoconcretista no Rio

Uma estranha visão chamou a atenção nas ruas de Tóquio. De jalecos brancos, com máscaras cirúrgicas no rosto, artistas amanheceram ajoelhados esfregando as calçadas da cidade. Usavam vassouras, baldes e até escovas de dente. Faltando pouco para os Jogos Olímpicos da capital japonesa, em 1964, o Hi-Red Center, um dos grupos da vanguarda da performance no país, ironizava ali a obsessão por limpeza do governo da época.

Num paralelo com o atual Rio olímpico, uma mostra agora no Paço Imperial revê aquele momento delirante da arte japonesa. Mesmo que Tóquio e Rio pareçam universos distintos, a vanguarda japonesa da época tem semelhanças estarrecedoras com o que houve no Brasil dos anos 1960, em especial na consciência do corpo que aflorou entre os artistas e uma vontade de diluir barreiras entre a arte e a vida.

Longe da Olimpíada e dominado pelo regime militar que recrudescia, o Rio viu ganhar corpo o neoconcretismo, com artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape se esforçando para desconstruir a pintura e dar dimensão carnal à arte, que já não podia ficar isolada em seus ateliês.

Nesse sentido, obras de Pape, como a performance em que dançarinos movimentavam figuras geométricas ou saíam, como bichos nascendo, de dentro de outras formas de papel, encontram eco nos trabalhos da primeira ala da mostra em cartaz no Rio.

Estão ali pinturas e registros de performance de Atsuko Tanaka e Kazuo Shiraga, nomes centrais do Gutai, grupo na arte japonesa que deu os primeiros passos em direção à desmaterialização da pintura –Tanaka chegou a fazer um vestido de luzes, uma espécie de pintura elétrica e ambulante ou versão hi-tech do "Parangolé", e Shiraga fez fama pintando com o corpo todo, mergulhando na tinta.

Mais radicais, outros grupos levavam o corpo a um embate visceral com a cidade. Além da limpeza de Tóquio, artistas como Genpei Akasegawa, que integrou o Hi-Red Center, ficou famoso –e quase foi preso– quando passou a falsificar notas de mil ienes, primeiro pintando cédulas à mão e depois usando um mimeógrafo.

"Era quase masoquista o esforço", observa Pedro Erber, que organiza a mostra. "Ele estava tentando entender a semelhança entre a arte e o papel-moeda. Os dois têm algo de imitação, mas circulam de modos diferentes."

Nesse sentido, o grupo Zero Jigen também repensava a presença da arte e do objeto estético na sociedade. Quase sempre pelados, usando máscaras de gás ou faixas com mensagens apocalípticas, eles ocupavam calçadas, praças e estações de trem com atos estranhos, sempre em protesto contra guerras, a falta de liberdade ou injustiças sociais.

Mesmo fora de contexto na mostra, já que quase não há informações sobre o grupo ali, a audácia cênica do coletivo transparece nas fotografias e vídeos agora no Paço Imperial. Deslocados no tempo, esses filmes habitam um território ambíguo, entre pornochanchada e ficção científica.

Um rosto familiar, no entanto, encerra a mostra. Yoko Ono aparece no registro da famosa performance em que o público vai cortando suas peças de roupa –mais um ato que tentava trazer a arte para mais perto do público.

A VANGUARDA NO JAPÃO
QUANDO de ter. a dom., das 11h às 19h; até 28/8
ONDE Paço Imperial, pça. 15 de Novembro, 48, Rio, tel. (21) 2215-2093
QUANTO grátis


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