Folha de S. Paulo


Centro cultural na mata do litoral de SP lembra aventura de 'Fitzcarraldo'

Quem desce ao extremo sul de Ilhabela na parte voltada ao continente topa com a última faixa com areia na praia do Veloso. A partir daí, no arquipélago no litoral norte de São Paulo, ladeando os limites do Parque Estadual de Ilhabela, só vai encontrar costões, mata e, com sorte, uma ópera.

O som de canto lírico e orquestra sinfônica vindo do lado do mar não é alucinação. Ele vem de uma ideia excêntrica do advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo, 67.

Amigo íntimo de grandes nomes das artes e da música –foi o último namorado de Elis Regina (1945-1982)–, o advogado começou a sonhar com um teatro no meio da mata há cerca de 15 anos.

"Comprei um terreno para construir um condomínio com um grupo de amigos e, quando contei para eles da minha ideia, disseram que eu queria fazer um Woodstock na ilha. Isso me coibiu e adiei o projeto", conta Mac Dowell.

Não que tenha desistido. Como Brian Sweeney Fitzgerald, aventureiro irlandês que, no início do século 20, tentou construir um teatro de ópera no Alto Amazonas, retratado no filme "Fitzcarraldo" (1982), de Werner Herzog, o advogado manteve a ideia antiga, "surgida do nada".

Voltou com mais força ao projeto quando comprou o terreno de 150 mil m² na Ponta da Sela, a cem metros de onde começa a reserva do Parque Estadual de Ilhabela.

Na propriedade onde construiu sua casa de praia, ele faz os últimos preparativos para inaugurar um dos trechos mais grandiosos de seu sonho, após obter autorização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente para supressão da vegetação nativa nos limites da lei e permissão da Prefeitura de Ilhabela para levar adiante o projeto cultural.

Para chegar ao centro cultural a partir da balsa, é preciso seguir em direção a "praias do sul", na via asfaltada av. Gov. Mário Covas Jr. A cerca de 12,5 km do terminal de balsas, à direita, fica a entrada do Complexo Cultural Baía dos Vermelhos, no número 11.970.

O Teatro da Floresta, espécie de concha acústica com fosso para orquestra e capacidade para 900 pessoas na plateia, será aberto oficialmente no começo de setembro, com espetáculos de música e balé.

Uma ópera completa ainda não está na programação, mas o público poderá ouvir cantoras líricas e orquestras regidas por maestros famosos, como Júlio Medaglia e Emmanuele Baldini, e ver a "Carmen", da ópera de Bizet, na coreografia de Marcia Haydée para a São Paulo Companhia de Dança.

O festival de três dias também terá apresentações dos pianistas Nelson Ayres e Jean-Louis Steuerman, do violoncelista Antonio Meneses e das cantoras Cida Moreira e Rosana Lamosa, entre outros.

"Por isso sou diferente de Fitzcarraldo: o meu projeto deu certo", afirma Mac Dowell. Como conta o filme de Herzog, o irlandês fez um barco a vapor subir um morro na floresta, mas não conseguiu o dinheiro para sua ópera.

Mac Dowell não carregou barcos morro acima, mas teve que rebocar um guindaste que atolou na estrada de terra, dentro do terreno, quando foi colocada a estrutura metálica de 1.600 m² que cobre o teatro, conta o arquiteto Marcos Figueiredo, filho de Mac Dowell, que está tocando a obra com o escritório de arquitetura Vazquez e Junqueira.

A cobertura cria algum isolamento acústico para o palco de 190 m². "Quase o tamanho do da Sala São Paulo", gaba-se Mac Dowell (o do espaço paulistano tem 262,4 m²).

As laterais são abertas para a vegetação da mata atlântica, com seus sons naturais e borrachudos. "Algumas pessoas me disseram para fechar o teatro. Fiz aberto, e só depois de pronto virá o engenheiro acústico –que nenhum músico purista me ouça."

Os artistas convidados aparentam não estar preocupados com intempéries.

No ano passado, numa espécie de pré-estreia do projeto, os bailarinos da São Paulo Companhia de Dança e o pianista Nelson Ayres dançaram e tocaram no canteiro de obras, com borrachudos e tudo –inclusive uma chuva fora do programa.

"Quero que o festival marque a saída da fase de implementação do projeto para a de atividades", diz Mac Dowell.

Os teatros (além do da Floresta, há um anfiteatro com capacidade para quase 300 pessoas) são só 1/3 do projeto. Mac Dowell quer construir um centro para exposições e oficinas e instalações para residências artísticas.

VAQUINHA VIRTUAL

Para isso busca patrocínio. Quando imaginou o projeto, há mais de uma década, saiu "com a pastinha na mão", mas não conseguiu nada. "Cheguei a ser aprovado na Lei Rouanet, mas nem parti para a arrecadação."

Segundo Mac Dowell, o grosso do investimento veio de seu bolso e uma pequena parte foi doada por amigos. Ele não revela os valores, que incluem, além da construção, cachê dos artistas (a preços camaradas, ele diz) e aluguel de equipamentos de luz e som.

Na plataforma de financiamento coletivo Catarse, o centro cultural busca obter R$ 160 mil, que fechariam o orçamento do festival, com entrada gratuita. Em 2017, Mac Dowell diz que cobrará ingressos e tentará fechar cotas de patrocínios públicos e privados.

FESTIVAL VERMELHOS 2016
QUANDO de 9/9 a 11/9
ONDE Centro Cultural Baía dos Vermelhos, av. Gov. Mário Covas Jr., 11.970, Ilhabela
QUANTO grátis; é preciso confirmar a presença por e-mail: soraia.andriani@culturalvermelhos.org.br ou marcia.carbone@culturalvermelhos.org.br; programação completa no site


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