Folha de S. Paulo


Crítica

Humanização de pacientes faz refletir sobre a loucura

Resultado de três anos de trabalho no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, em Salvador, este documentário aborda a questão da doença mental dando voz aos pacientes. Em longas sequências, eles constroem discursos sobre a própria doença, seu cotidiano, o olhar dos outros, seus anseios.

Dentro do hospital funcionava, na época das filmagens –que começaram em 2011–, a ONG Criamundo, que desenvolve atividades numa oficina visando a reinserção dos pacientes psiquiátricos no mercado de trabalho.

Reprodução
Cena do documentario A loucura entre nós [Brasil, 2015], de Fernanda Vareille
Hospital de Salvador onde documentário foi gravado

Dos vários pacientes acompanhados, duas mulheres que frequentam a Criamundo ganham destaque: Maria Leonor e Elisângela, vindas de ambientes sociais bastante diferentes. As trajetórias de ambas se aproximam, se cruzam e se afastam, num movimento captado com muita sensibilidade pela documentarista Fernanda Vareille.

As duas contam suas histórias de vida, dramas e delírios, com sinceridade e intensidade desconcertantes, fazendo emergir subjetividades que desafiam as habituais fronteiras entre loucura e normalidade.

Sem adotar uma postura abertamente alinhada com a luta antimanicomial, o filme prefere humanizar o paciente psiquiátrico e com isso fazer o espectador refletir sobre a loucura. Apesar dessa escolha, o filme não deixa de assinalar a reclusão, como indica a insistência em relação às grades que separam o hospital do espaço da ONG.

Outro motivo visual recorrente que também aponta para o dentro e o fora, o desvio e a norma, são os bonecos gigantes do carnaval baiano, que aparecem solitários em breves cenas de rua que criam um "respiro" narrativo e visual em relação a quase todo o resto do filme.

Numa dessas cenas, um boneco caminha como se andasse sobre uma linha, alusão sutil ao "andar na linha" como equivalente de "agir de acordo com as convenções sociais".

A LOUCURA ENTRE NÓS
DIREÇÃO Fernanda Vareille
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 12 anos
QUANDO: Em cartaz


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