Folha de S. Paulo


Crítica

Colombiano cria belo relato do choque entre o público e o privado

No começo do século 20, na Colômbia, o caricaturista Ricardo Rendón era idolatrado pelas ruas na mesma medida em que era temido pelos políticos. Com "As Reputações", o escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez –aos 43, um dos nomes ascendentes da ficção em espanhol– cria um herdeiro espiritual para essa figura histórica.

Javier Mallarino também vive de confrontar o poder com seus desenhos. Rendón, no entanto, se matou jovem, sem deixar maiores explicações, na mesa de um café em Bogotá. E isso não escapa nem a Vásquez nem ao herói de seu romance, que julga ver Rendón caminhar por uma praça, como um fantasma, logo nas primeiras páginas da história.

Adriano Vizoni/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 05-07-2012, 17h15: FLIP 2012. Mesa 3: o escritor Juan Gabriel Vasquez durante a Flip 2012. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ILUSTRADA) *** EXCLUSIVO FSP***
O escritor Juan Gabriel Vásquez durante a Flip de 2012

Será que o seu renome é valioso o bastante, pergunta-se Mallarino? Às custas do que ele foi alcançado? São essas as questões que o aferroam, neste livro belo e inteligente sobre os choques entre identidade pública e vida privada.

"As Reputações" começa pouco antes de Mallarino ser homenageado em uma cerimônia de gala. Ele cumpre o seu papel, mas não está inteiramente à vontade. Dá-se conta que se transformou em uma das grandes vozes públicas de seu país ao preço do isolamento. A mulher o deixou há tempos, embora ainda exista carinho entre eles. A filha vive no exterior. Ele mora sozinho em uma casa na montanha.

No dia seguinte à cerimônia, Mallarino recebe uma jovem que diz querer entrevistá-lo. Mas ela revela que tem outro propósito na visita. Quase três décadas antes, ela esteve ali numa festa, como amiga da filha de Mallarino. No meio da confusão, as meninas se embebedaram e foram deixadas num quarto, apagadas.

Mais tarde, alguém vê sair do quarto um político que está na festa sem ter sido convidado, e a quem o anfitrião despreza. A menina continua na cama, mas agora numa posição estranha, com roupas desarranjadas. Todos saltam para a conclusão de que algo aconteceu. Mallarino publica uma charge que devasta a vida do político. Mas não há certeza nenhuma na história. Trinta anos depois continua a não haver, inclusive para a própria –suposta– vítima.

O tema das reputações destruídas não é estranho à obra de Vásquez. Seu romance mais celebrado, "Os Informantes", fala de como alemães, italianos e japoneses entraram para listas negras na Colômbia na 2ª Guerra, bastando que alguém os apontassem como simpatizantes do nazismo, ainda que sem razão. Esse "poder terrível de acabar com alguém" é enfocado em "As Reputações" por um outro prisma.

As Reputações
Juan Gabriel Vásquez
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Mas agora Vásquez também se interessa pela maneira como o respeito público é conquistado. No caso de Mallarino, o custo de montar no cavalo branco da autoridade moral foi a solidão. E ele por fim se dá conta que também infligiu sofrimento enquanto lutava contra a injustiça.

"As Reputações" é um livro aberto. Não apenas a ocorrência do estupro fica em suspenso, como o romance não se atreve a passar um julgamento sobre Mallarino. Ao livro se aplica com perfeição a fórmula de Milan Kundera sobre o romance: "O terreno onde o julgamento moral é suspenso". Vásquez se inscreve naquela linhagem de autores, cada vez mais raros, que fazem arte para suscitar perguntas, e não dar respostas.

AS REPUTAÇÕES
AUTOR Juan Gabriel Vásquez
TRADUÇÃO Joana Angélica d'Ávila Melo
EDITORA Bertrand Brasil
QUANTO: R$ 34,90 (140 págs.)


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