Folha de S. Paulo


Regina Parra estuda 'arqueologia da violência' em obras de nova mostra

Na entrada da galeria, alto falantes dizem "sim, senhor" bem baixinho, uma submissão quase inaudível. Mais adiante, um neon branco, quase histérico, fala em se manter "aterrorizada". Entre gritos e sussurros, Regina Parra se esforça para mostrar o que chama de "arqueologia da violência" em sua mostra agora na Millan.

Quase sempre, o que está em jogo é a violência contra a mulher, mas nada é explícito na obra de Parra. Suas pinturas, esmaecidas e opacas, já deixavam isso claro desde que a artista despontou na cena paulistana há quase uma década, criando imagens que traduziam para a pintura as visões furtivas de câmeras de vigilância em circuitos fechados de TV.

Ela agora se mostra mais segura na condução de um universo plástico sempre instável, como se erguesse um espelho sujo diante da sociedade. Mas aquilo que poderia descrever qualquer país burguês ocidental aqui se revela enraizado no racismo, na falsa moral ou da cordialidade calcada no pavor que tanto marca o Brasil.

Divulgação
Cena de filme de Regina Parra agora em mostra na galeria Millan
Cena de filme de Regina Parra agora em mostra na galeria Millan

"Tem um tipo de opressão com a qual a mulher está acostumada a viver", diz a artista. "Mas o que me guiou é tentar traçar um pouco isso que a gente chama de arqueologia da violência. Queria passar pelas mulheres, mas não acho que a exposição seja sobre isso. A opressão acontece mais por posição social do que por gênero."

Nesse ponto, uma série de pinturas na mostra retratam estátuas de homens e mulheres negros ou indígenas, às vezes de traços misturados, sempre na condição de serviçais. Eles seguram lâmpadas ou bandejas com um sorriso no rosto, resignados com seu destino de submissão.

Enquanto de um lado estão essas estátuas, do outro a artista mostra quadros em que pintou de vistas de uma mata fechada, sugerindo ao mesmo tempo uma possibilidade de fuga e aprisionamento, já que todo tipo de perigo parece rondar esses matagais.

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Pintura de Regina Parra agora em mostra na galeria Millan
Pintura de Regina Parra agora em mostra na galeria Millan

"Estava olhando para essas imagens do que seria a casa da fazenda, essa casa cheia de opulência, essas esculturas e ornamentos, mas sempre fiquei com vontade de olhar para o outro lado, o da mata", diz a artista. "Tem o desconhecido e o medo. A exposição fica na chave dessa hostilidade que a gente tem com aquilo que é desconhecido. É esse lugar meio assustador, mas de possibilidade, de fuga."

Frases soltas, pinçadas de um poema de Castro Alves, servem de legenda para essas composições. Parra diz que versos como "por que tremes, mulher?", quando sobrepostos à imagem desfocada de sua floresta, dão a a ideia de uma narrativa em suspensão.

Ou seja, a ambiguidade está não só nessas palavras escorregadias como também na pincelada densa e desbotada da artista, que afoga suas visões debaixo de um verniz meio difuso, como se as pinturas fossem fotogramas de um vídeo em VHS ou estivessem sendo vistas debaixo d'água.

"Não gosto da imagem supercrua", diz Parra. "Uma imagem full HD pode ser bem impositiva e quase autoritária. Essa imagem mais errada, com essas falhas, tem a ver com o que estou falando."

REGINA PARRA
QUANDO de ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 18h; até 20/8
ONDE galeria Millan, r. Fradique Coutinho, 1.360, tel. (11) 3031-6007
QUANTO grátis


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