Folha de S. Paulo


Beatriz Azevedo devora o 'Manifesto Antropófago' em novo livro

O "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade, andava sendo mal digerido.

"Houve uma banalização", diz a poeta, cantora e compositora Beatriz Azevedo. "Passaram a associar a antropofagia à mistura entre o gringo e o brasileiro. Só que a globalização é baixo canibalismo: é devorar para ter lucro. A antropofagia é anticapitalista."

Azevedo incumbiu a si mesma de devorar, aforismo por aforismo, os 51 fragmentos do "Manifesto" –texto seminal da "única filosofia original brasileira", segundo o poeta Augusto de Campos.

Reprodução
Créditos: Reprodução Legenda: Desenho criado pelo artista plástico Tunga (1952-2016), feito para ilustrar o livro
Desenho inédito feito pelo artista Tunga, morto em junho, que integra o livro

O resultado deglutido é o livro "Antropofagia - Palimpsesto Selvagem", um dos últimos livros publicados pela Cosac Naify e que a autora lança nesta quarta (20), em evento promovido pela Folha em SP.

No prefácio, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro chama a obra de "leitura microscópica" do texto publicado por Oswald em 1928 na primeira "Revista de Antropofagia" –libelo modernista que propunha abocanhar as inovações das vanguardas europeias sob contexto brasileiro.

Feito os índios que devoravam em ritual os portugueses do século 16, Oswald buscava redescobrir as concepções ancestrais do território brasileiro e se insurgir contra tudo quanto é vestígio da colonização na cultura nacional –da roupa ("que catequiza") ao trabalho ("que dignifica").

O movimento instigou das experimentações de Zé Celso no Teatro Oficina ao cinema de Glauber Rocha, passando pela música de Caetano, Gil e pela produção de Hélio Oiticica. E continua rendendo.

"Se Oswald estivesse vivo, ele estaria ligado à cultura digital", diz Azevedo. "É antropofágica a ideia dele de questionar a autoria de uma obra, de que tudo pode ser compartilhado e mesmo deformado."

Além de deglutir os aforismos e trazer desenhos inéditos do artista Tunga, morto em junho, o livro defende que as raízes da antropofagia já estavam na obra de Oswald muito antes da Semana de Arte Moderna, de 1922, e o acompanhariam até a morte, em 1954.

PINDORAMA

"Artista com paciência de pesquisadora", como se define, ela diz que seu caminho sempre "cruzava com o de Oswald". Já foi dirigida por Zé Celso e já celebrou em show o centenário de Pagu, escritora e ex-mulher do modernista.

Convidada pelo Lincoln Center de Nova York para um espetáculo sobre o Brasil em 2012, pintou-se de jenipapo e urucum e cantou em tupi.

Apartidária, afirma que defende contra o "Estado patriarcal" uma "sociedade tribal, coletivista", como a do "matriarcado de Pindorama", o território pré-cabralino.

"O país está arcaico e o patriarcalismo, fonte de todos os vícios da história brasileira, está no olho do furacão, com todos os conchavos entre ruralistas e empreiteiras", diz.

Ela também não toma partido em rixas, como a recente troca de farpas nas páginas da "Ilustrada" entre os poetas Augusto de Campos e Ferreira Gullar, colunista da Folha, sobre o legado de Oswald.

"A antropofagia é generosa. E essa briga, de disputa de heranças, é algo patriarcal."

A multi-artista prepara agora um documentário e uma série cheios de entrevistas, "uma polifonia sobre o tema".

ANTROPOFAGIA –PALIMPSESTO SELVAGEM
AUTORA Beatriz Azevedo
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 86 (240 págs.)
LANÇAMENTO quarta (20), às 19h, seguido de bate-papo no auditório da Livraria da Vila (shopping Pátio Higienópolis, av. Higienópolis, 618, tel. 11-3661-3300).


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