Folha de S. Paulo


Anna Muylaert retoma relações entre mães e filhos em 'Mãe Só Há Uma'

Trailer

"Você não é minha mãe", diz Pierre, um adolescente em crise, para Gloria, sua mãe biológica, em cena donovo filme da cineasta Anna Muylaert, "Mãe Só Há Uma", que estreia nesta quinta (21).

A frase, um clássico da rebeldia infantojuvenil, é recorrente nos trabalhos da diretora. Ela já havia aparecido, sem tirar nem pôr, na boca da menina Kiki, abandonada pela mãe no primeiro longa de Anna, "Durval Discos" (2002).

Estava também no discurso de Jéssica, que reencontra a mãe, uma empregada doméstica, após dez anos, em "Que Horas Ela Volta?" (2015).

"Estou começando a pensar nisso agora", conta Anna. "Na verdade, é um negócio meio inconsciente." A galeria de mães da diretora pode ser conferida na íntegra a partir desta quarta (20), no Festival de Cinema Latino-Americano, que tem a cineasta como homenageada do ano.

"Acho que existe uma evolução nas minhas mães. Desde a do 'Durval', totalmente controladora, até a Val, sua patroa e a Jéssica [Que Horas Ela Volta?], que eram ausentes. Sempre existe essa questão de mãe de mais e mãe de menos."

Em "Mãe Só Há Uma", a cineasta vai mais longe. Filmado enquanto a diretora editava "Que Horas Ela Volta?" (batizado de "The Second Mother" em inglês), a diretora faz questão de apontar diferenças entre a nova obra e seu filme de maior sucesso.

Mais experimental e realizado com R$ 1,5 milhão, um terço do orçamento do longa anterior, "Mãe Só Há Uma" parte de uma história real.

"Livremente baseado", como gosta de frisar Anna, na história de Pedrinho, um garoto sequestrado ainda na maternidade por uma mulher que o criou como filho longe de sua família biológica, o novo filme se ocupa em mostrar os conflitos de Pierre (Naomi Nero) ao ser arrancado da mãe de criação quando seu crime é descoberto.

Criado por Aracy, mas filho biológico de Gloria, ambas interpretadas por Dani Nefussi, veterana atriz do Teatro da Vertigem, Pierre é renomeado Felipe e lançado na casa de uma família mais tradicional e abastada.

Lá, ele confronta seus progenitores com uma assertiva transformação da própria identidade sexual e de gênero. O uso de vestidos, as unhas pintadas e o desinteresse pelo futebol são motivos para embates tensos e constrangedores com o pai, interpretado por Matheus Nachtergaele.

"O filme é o grito de um adolescente rebelde", resume a diretora. Mas poderia ser diferente. Em gestação na cabeça de Anna por quase uma década, a diretora só decidiu abordar as questões de gênero no longa pouco antes das filmagens, após frequentar com amigos festas da noite paulistana, como a Voodoohop e a Santo Forte. "Era para ser uma história muito mais focada na relação entre o Pierre e o seu irmão. Mas os filmes sempre mudam", diz.

AMOR HOMÔNIMO

O papel de Pierre/Felipe coube a Naomi Nero, 19, sobrinho do ator Alexandre Nero e estreante no cinema. Para ele, as questões de fluidez de gênero não são novidade. Sua irmã mais velha, Nicole, com quem vive, é transexual.

Nicole começou a experimentar as primeiras mudanças quando o irmão mais novo tinha 13 anos, a idade do personagem Joca, irmão biológico do protagonista no filme. "Foi bem natural fazer o Pierre. Não me sinto mais feminino por estar usando um vestido, por exemplo."

Ao contrário de Pierre, contudo, o ambiente familiar nunca foi um espaço de repressão para Naomi. Oriundo de uma família de artistas, sofria mesmo era na escola por causa do nome "de menina". O que o incomodava, mais tarde, viria a calhar. Graça ao nome, o Naomi conheceu a Naomi, sua namorada, em um grupo de WhatsApp.

Recém-formado no ensino médio, o ator está dando um tempo para decidir qual faculdade irá seguir. Uma das opções é partir para um curso de cinema. A outra é fazer dramaturgia e seguir os passos das mães, atrizes. Sejam elas biológicas ou cênicas.


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