Folha de S. Paulo


Los Angeles se esforça para ser maior vitrine da arte da América Latina

No horizonte, debaixo do sol de lascar do verão californiano, despontam as famosas letras brancas que soletram Hollywood numa das colinas que rodeiam Los Angeles. Aos pés do monte, um mar de galerias de arte, entre elas cubos de concreto branco e velhos galpões reformados para mostrar pinturas e esculturas, domina a paisagem do que antes era a meca só do cinema.

"Sempre houve uma certa obsessão por Los Angeles", diz Ben Thornborough, da galeria Regen Projects, enquanto dá voltas numa escultura montada no terraço. "Essa cidade é uma montanha-russa."

E está virando um playground ambicioso no circuito global, em especial para artistas do Brasil e da América Latina. "Tem uma 'vibe' americana meio torta aqui. É essa coisa de ir à praia e não seguir a linha casa, família e propriedade", diz Adriano Costa, paulistano que abre uma mostra na cidade em breve, numa galeria onde já funcionou o estúdio de artes marciais de Jackie Chan. "Claro que tem ego e heroísmo juntos. Isso é Los Angeles, é sonho e pesadelo."

Um sonho das galerias e dos museus dali, no caso, é que a cidade desbanque Miami como espécie de capital informal da arte latino-americana. O pesadelo, de ordem urbanística, é tentar encarar a metrópole construída para carros que rasgam suas vias expressas como um oásis palatável para a contemplação plástica.

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Lacma, museu de Los Angeles que sera um dos principais espaços de mostras com artistas da America Latina na cidade norte-americana Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Lacma, museu de Los Angeles que será um dos principais espaaços de mostras com artistas da America Latina na cidade norte-americana

"Los Angeles está deixando de ser uma cidade suburbana e virando uma cidade de verdade", diz Susanne Vielmetter, marchande que é um dos pilares do mercado da arte na Califórnia. "As pessoas já não querem morar numa casa com piscina e dirigir horas para chegar a qualquer lugar, por isso as galerias precisam ficar mais perto umas das outras."

Nesse sentido, toda a cena artística local se multiplica em bandos, criando pequenos redutos artísticos com várias galerias vizinhas no centro, em Hollywood e em outros distritos da cidade. A ideia é desbravar o que alguns, como a pesquisadora Holly Stanton, ainda chamam de "velho oeste selvagem".

Mas esse é também um deslocamento em direção ao sul, numa busca por raízes mais profundas que as chapas de compensado e neons vagabundos dos sets de filmagem. Los Angeles parece ter encontrado na proximidade com o México e na cultura dos imigrantes a vocação para ser uma plataforma de reinvenção da ideia de América Latina -ou seja, LA quer virar a vitrine da arte da AL.

Suas instituições de arte não deixam duvidar disso. O brasileiro Kenzi Shiokava, por exemplo, tem agora uma sala especial dedicada à sua obra no museu Hammer. Mira Schendel, Lygia Pape, Sonia Gomes e Anna Maria Maiolino são alvos de outra mostra na galeria Hauser Wirth & Schimmel, enquanto a cidade se prepara para receber, no ano que vem, uma enxurrada de nomes latinos na exposição "Pacific Standard Time".

Estão escaladas para o evento orçado em mais de R$ 30 milhões nomes como as brasileiras Tamar Guimarães, Valeska Soares e Carla Zaccagnini, além do guatemalteco Naufus Ramírez-Figueroa e a colombiana Carolina Caycedo -estes dois últimos também vão estar na próxima Bienal de São Paulo.

O Lacma, um dos maiores museus de Los Angeles, até firmou uma parceria com a mostra que começa em setembro no Ibirapuera para produzir os trabalhos de Caycedo e Ramírez-Figueroa. Enquanto ele reflete sobre a história violenta do modernismo em choque com a cultura pré-colombiana da América Central, ela ataca a privatização de lagos e represas.

"Los Angeles é a plataforma para criar essas obras", diz José Luis Blondet, um dos curadores do Lacma. "Queríamos trabalhar com artistas que não são os 'suspeitos habituais'
da arte latino-americana."

Rita Gonzalez, do mesmo museu, também dá a entender que a definição de latino em Hollywood é um tanto elástica. "Estamos falando de um contexto muito maior da história da arte", ela diz. "Sabemos que, mais do que falar do lugar onde nasceram, esses artistas querem ver suas obras em primeiro plano."

SOL E MACONHA

Nascida na Itália e radicada em São Paulo desde os anos 1970, Anna Maria Maiolino parece se enquadrar nessa descrição. A artista terá no ano que vem uma retrospectiva no Moca, museu no centro de Los Angeles que afundou numa crise financeira e se reergueu nos últimos anos. Por trás da mostra, está Helen Molesworth, curadora que se define como uma feminista apaixonada pela obra da italiana.

"Adoro como o trabalho dela trata de uma sociedade binária em termos de gênero sem estabelecer uma hierarquia", diz Molesworth. "Há uma fantasia minimalista de que o corpo não existe, mas o feminismo nos mostra que não há nada fora do corpo."

Nem fora do radar dessa Los Angeles que se reinventa. "Ainda há certa magia aqui, talvez pela possibilidade de fracassar", diz a curadora. "Se tudo der errado, ainda vai fazer sol e a maconha vai continuar legalizada. Somos o que já aconteceu. Somos o futuro."

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da Prefeitura de Los Angeles.


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