Folha de S. Paulo


Morre, aos 70 anos, o diretor Hector Babenco

Morreu na noite desta quarta (13), aos 70 anos, o cineasta Hector Babenco. Ele sofreu uma parada cardíaca às 22h50 no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, após ser internado para tratar uma sinusite. A informação foi confirmada à Folha por sua ex-mulher, Raquel Arnaud e pelo produtor de seus filmes, Marcelo Torres.

Argentino radicado no Brasil, Babenco foi um dos mais importantes nomes do cinema no país e chegou a dirigir filmes em Hollywood com Jack Nicholson e Meryl Streep.

Realizou "O Beijo da Mulher Aranha" (1985), produção que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor e o prêmio de melhor ator a William Hurt. Rodou outros longas aclamados, como "Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia" (1977), "Pixote: A Lei do mais Fraco" (1982) e "Carandiru" (2003).

Raquel Cunha/Folhapress
O diretor Hector Babenco
O diretor Hector Babenco

Babenco nasceu em Mar del Plata em 1946. Era filho de imigrantes judeus. O pai, alfaiate, era antiperonista, e o cineasta praticou esse mesmo ofício até os 17 anos. Ele saiu da Argentina nessa época porque não queria prestar o serviço militar e foi viajar pela Europa. Desembarcou no Brasil em 1969, já casado com a italiana Fiorella Giovagnolli.

Vivendo em São Paulo na virada dos anos 1960 para os 70, trabalhou como vendedor de enciclopédias e fotógrafo de restaurantes. A pedido da Secretaria Municipal de Cultura, fez seu primeiro documentário em 1972, sobre o Masp (Museu de Arte de São Paulo). No ano seguinte, retratou a vida do piloto Emerson Fittipaldi em "O Fabuloso Fittipaldi".

Mas conquistou notoriedade quando migrou para o cinema de ficção. Seu primeiro longa do gênero foi "O Rei da Noite" (1975), que conta a história de Tertuliano (Paulo José), filho de família tradicional que cai na boemia –e nos braços da prostituta Lupi (Marília Pêra).

O êxito o credenciou para dirigir seu próximo filme, um dos mais assistidos da história do cinema nacional: "Lúcio Flávio", drama político sobre um assaltante de bancos na época da ditadura. O personagem foi vivido por Reginaldo Faria. O longa levou quatro prêmios no Festival de Gramado e foi eleito o melhor filme do júri popular na Mostra de Cinema de São Paulo, em sua segunda edição.

Em 1982, o diretor lançou uma de suas mais famosas obras: "Pixote", saga de um garoto pobre que sai da Febem (atual Fundação Casa) e perambula com companheiros igualmente miseráveis pelas ruas de São Paulo. Entre idas e vindas, topa com a prostituta Sueli, um dos papéis mais famosos de Marília Pêra.

Quando a atriz morreu, no fim do ano passado, Babenco afirmou à Folha que a atriz havia sido "crucial para ele. "Aquela famosa cena em 'Pixote', na qual ela amamentava o menino no colo dela, foi inventada na hora, não estava no roteiro", disse na ocasião.

"Pixote" foi indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro daquele ano, o que despertou a atenção internacional para o diretor.

Em 1985, Babenco dirigiu seu filme de maior repercussão internacional: a coprodução Brasil-EUA "O Beijo da Mulher Aranha", baseado em romance de Manuel Puig.

Na trama, dois presidiários (William Hurt e Raul Julia) de personalidades absolutamente distintas –um homossexual e um militante político– fantasiam enquanto dividem a cela numa cadeia sul-americana. O filme conta com Sonia Braga no elenco e rendeu a Babenco indicações ao Oscar e à Palma de Ouro, em Cannes.

O cineasta acabou ficando sem a estatueta da Academia, mas Hurt levou o Oscar de melhor ator como Luis Molina, o sujeito afeminado que roda pelas ruas de São Paulo.

"Ironweed" (1987), rodado nos EUA, uniu o diretor a dois grandes atores: Jack Nicholson e Meryl Streep. O filme, contudo, fracassou em bilheteria. De 1991, "Brincando nos Campos do Senhor" trouxe Tom Berenger e John Lightgow como missionários na selva.

CÂNCER

Nos anos 1990, Babenco foi vítima de um câncer no sistema linfático, que o levou a um transplante de medula e a uma série de sessões de quimioterapia.

A partir de então, se voltou a tramas mais autobiográficas, caso de "Coração Iluminado" (1998), história de um homem que retorna à Argentina após uma ausência de 20 anos para se encontrar com o pai doente. O filme tem Maria Luísa Mendonça e Xuxa Lopes, ex-mulher do diretor, no elenco.

Em 2003, já recuperado do câncer, lançou "Carandiru", inspirado em "Estação Carandiru", de Drauzio Varella, colunista da Folha. Wagner Moura, Caio Blat, Milhem Cortaz vivem presidiários nesse que é um dos mais caros filmes do cinema brasileiro e que retrata o massacre na casa de detenção.

"O Passado" (2007), é uma obra inspirada em livro homônimo de Alan Pauls e traz Gael García Bernal no papel principal de um homem que se separa da companheira após 12 anos. Estreou na Mostra de São Paulo daquele ano.

No ano passado, Babenco lançou seu último longa, o semiautobiográfico "Meu Amigo Hindu", que retrata um cineasta (Willem Dafoe) às voltas com um tumor agressivo.

O cineasta deixa duas filhas, Myra e Janka, dois netos e sua mulher, Bárbara Paz. O velório do diretor será na Cinemateca, em São Paulo, nesta sexta (15), das 10h às 15h, no foyeur da sala BNDES.

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Saiba mais sobre a filmografia do diretor

"Meu Amigo Hindu" (2016)
Babenco se inspirou em sua própria luta contra o câncer para rodar seu último longa. Diego (William Dafoe) é um cineasta que precisa lidar com a doença e o próprio temperamento para reconstruir a vida. À Folha, o diretor disse se incomodar com as comparações entre o longa e sua biografia: "Jamais escreverei meu obituário. Não fiz o filme com a ideia de dizer: 'Olha, foi o que aconteceu comigo'."

"O Passado" (2007)
Gael García Bernal vive um homem perseguido pela ex-mulher, com quem foi casado durante 12 anos.

"Carandiru" (2003)
A terceira indicação de Babenco à Palma de Ouro no Festival de Cannes veio com o longa baseado no livro de Drauzio Varella, que culmina no massacre que deixou 111 detentos mortos na penitenciária, em 1992.

"Coração Iluminado" (1998)
O cineasta se reencontra com a Argentina nessa história sobre um homem que regressa a Buenos Aires para visitar o pai entre a vida e a morte. Foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes.

"Brincando nos Campos do Senhor" (1991)
Indicado ao Globo de Ouro de trilha original, o longa narra o choque entre culturas e civilizações ao acompanhar missionários fundamentalistas que vêm catequizar índios nas florestas da América do Sul

"Ironweed" (1987)
Babenco dirigiu Meryl Streep e Jack Nicholson em uma história ambientada em uma noite de Halloween na Nova York dos anos 1930. Por este filme, Streep e Nicholson foram indicados ao Oscar de atuação.

"O Beijo da Mulher Aranha" (1985)
Inspirado em romance do argentino Manuel Puig, o filme deu o Oscar de melhor ator a William Hurt e outras três indicações da Academia, incluindo a de melhor diretor para Babenco. Foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e foi finalista em três categorias do Globo de Ouro.

"Pixote: A Lei do Mais Fraco" (1981)
Babenco fez da história de abandono e violência do menino de rua Pixote um dos filmes essenciais da década de 1980. Recebeu sete prêmios internacionais e foi indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro.

"Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia" (1977)
Em seu segundo longa de ficção, Babenco transforma em herói o bandido Lúcio Flávio (Reginaldo Faria), famoso no Rio de Janeiro dos anos 1960. O diretor se notabilizou por humanizar personagens marginalizados, como este assaltante que foge com a mulher para tentar recomeçar a vida.

"O Rei da Noite" (1975)
Com Paulo José e Marília Pêra, um boêmio paulistano nos anos 1940 se envolve com uma prostituta, mas acaba se casando com uma das amigas de sua mãe, com quem vive infeliz.

"O Fabuloso Fittipaldi" (1973)
Documentário sobre Emerson Fittipaldi, piloto brasileiro de Fórmula 1


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