Folha de S. Paulo


Em 'vernissage', Christiane Jatahy estreia seu 'Macbeth' político

"Isto não é uma peça", explica Christiane Jatahy sobre seu mais recente trabalho, "A Floresta que Anda", que a diretora estreia em São Paulo nesta quinta-feira (14). "Não é algo a que você assiste, mas em que você está inserido."

Trata-se do encerramento de uma trilogia que investiga textos clássicos e o uso de linguagens do cinema e das artes plásticas no teatro. Começou com "Julia" (2011), adaptação de Strindberg. Depois veio "E Se Elas Fossem para Moscou" (2014), inspirada em "As Três Irmãs", de Tchékhov.

Agora Jatahy se debruça sobre "Macbeth", a tragédia de Shakespeare sobre um nobre que comete diversas atrocidades para usurpar o trono. Mas aqui a trama aparece diluída, quase inexistente: serviu de base para falar de questões políticas e sociais. "O meu olhar é sobre o que existe de Macbeth hoje", conta ela. "Não me interessava falar sobre o indivíduo, mas sobre o sistema. Pensar a ganância, a usurpação do poder."

O título do espetáculo é uma referência à profecia das bruxas de "Macbeth": que o usurpador não seria vencido enquanto a floresta de Birnan não marchasse para a colina de Dunsinane, onde fica seu palácio. Representa aquilo que pode transformar o poder, como "as manifestações e os movimentos coletivos", diz a encenadora.

"Floresta" ainda teve como base outro trabalho de Jatahy, "Utopia.doc" (2013), espécie de instalação-documentário sobre imigrantes.

Ela colheu o depoimento de jovens cujas vidas foram afetadas pela opressão, como um refugiado congolês em São Paulo (que fugiu de seu país após seu pai criticar o governo) e Michelle, sobrinha de Amarildo de Souza, que desapareceu em 2013 após ser detido pela polícia na Rocinha.

As entrevistas foram feitas por ela e pelo diretor de fotografia Paulo Camacho. "Perguntávamos sobre o mundo hoje, as utopias, os sonhos." Os vídeos são a base da mescla de linguagens feita por Jatahy.

O PALCO

Ao entrar no galpão do Sesc Pompeia, o público dá de cara com um "vernissage". A cenografia de Marcelo Lipiani remete a uma galeria de arte, pela qual a plateia passeia e na qual se serve de bebidas. Em telas, são projetados simultaneamente os vídeos das entrevistas -quatro ao todo.

Única atriz em cena, Julia Bernat (que atuou em "Julia" e "Moscou") conduz o público como numa performance. Cabe à plateia, de certo modo, a realização da peça.

Cerca de 15 dos 80 espectadores recebem rádios ao entrar. São dirigidos pelo áudio de Jatahy, que lhes pede tarefas simples, como mudar de lugar ou pegar uma jarra de água. Ali, conta a diretora, "as estranhezas vão surgindo", como o clima em "Macbeth" de que algo está sendo tramado.

FRONTEIRAS

Como nas duas primeiras peças da trilogia, a diretora faz uso do vídeo in loco. Filma cada sessão, edita na hora e, em determinado momento da peça, projeta aquele filme que acabou de ser feito "sem que as pessoas percebessem".

"Nesse meu trabalho de experimentar limites, é o que mais avança na fronteira com as artes plásticas."

Quebrar fronteiras também está no discurso da peça. Criado no fim de 2015 (e até então encenado em festivais e em temporada no Rio), "Floresta" vai se modificando ao longo do tempo, ganhando corpo de acordo com acontecimentos recentes. Questiona temas como a hostilidade a refugiadas, a crescente formação de barreiras entre países, o momento político nacional.

"Não para se posicionar, porque eu tenho uma posição bastante clara", diz Jatahy. "Mas para levantar a questão."

Não é de hoje que ela expressa sua opinião. Há dois meses, após uma sessão de "Moscou" em Porto Alegre, criticou o impeachment de Dilma Rousseff. "Não sou petista, mas acho que isso é um golpe. Se não respeitamos o voto, voltamos muitos passos atrás."

Na vastidão de sua floresta, Jatahy investiga por fim a escolha, como o desejo que incita Macbeth a cometer todo tipo de atrocidades para chegar ao trono. "E todos temos que fazer escolhas. Hoje não tem como não se posicionar."

A FLORESTA QUE ANDA
QUANDO qui., sex. e sáb., às 19h, 20h30 e 22h; dom., às 17h, 18h30 e 20h; até 31/7
ONDE Sesc Pompeia (galpão), r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 18 anos

*

+ Macbeth

ÓPERA
"Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk" (1934), do russo Dmitri Chostakóvitch, é baseada em romance de mesmo nome (1865) de Nikolai Leskov. Fala de uma russa no século 19 que se apaixona por um empregado, o que a leva ao assassinato

CINEMA
Duas adaptações homônimas estão disponíveis ao cinéfilo: o razoável filme de Justin Kurzel (2015), com Michael Fassbender (Macbeth) e Marion Cotillard (Lady Macbeth), está na Netflix; já a elogiada versão de Polanski (1971) está em cartaz no canal pago Max na quarta (20), às 5h, e na sexta (29), às 15h


Endereço da página:

Links no texto: