Folha de S. Paulo


depoimento

Despedida de Miklos dos Titãs teve melancolia, memórias e bom rock

Houve ao menos dois momentos simbólicos no show que os Titãs fizeram no Circo Voador, no Rio, na madrugada deste sábado (9) –e que, como os fãs ficariam sabendo nesta segunda (11), foi a última apresentação com Paulo Miklos como integrante.

No primeiro deles, Miklos, um dos vocalistas e multi-instrumentistas da banda, fez uma retrospectiva que agora parece saudosista, contando ao público uma história da primeira apresentação do grupo paulistano no Rio, no início dos anos 1980.

Os Titãs do Iê-Iê, como eram conhecidos então, em plena fase new wave, abriam um show da Dorsal Atlântica, lenda do thrash metal tupiniquim.

"A plateia gritava pra gente: 'Vai para casa, sai daí!'", lembrou Miklos, certamente atenuando os impropérios. "Aí eu disse: 'Bom, vocês vão gostar muito dessa próxima música. É um bolero", continuou o cantor, referindo-se a "Sonífera Ilha", primeiro hit da banda, cujos vocais são dele.

Essa postura meio galhofeira, meio desafiadora e corajosa sempre caracterizou os Titãs em seus melhores momentos.

Era também um traço marcante em Miklos, que, além de tocar saxofone, teclado, guitarra e baixo, era também intérprete tanto de canções românticas como de escatológicas, como "Pra Dizer Adeus" e "Bichos Escrotos", dois dos sucessos que estiveram no show de sábado.

O outro momento de interação entre banda e público que se destacou foi quando Sergio Britto, também fundador do grupo, perguntou à plateia que enchia a tenda da Lapa quem havia ouvido o último trabalho deles, "Nheengatu" (2014). Pouquíssimos reagiram, levantando as mãos.

"É, pouca gente, pena", reagiu Britto. "Espero que quem não ouviu ainda ouça", continuou o músico, antes de introduzir uma das boas canções do álbum, "Fardado", composta por ele e por Miklos –e que contou com a animada participação de um fã que subiu ao palco para cantar o refrão.

É realmente uma lástima –e um sinal dos tempos, dessa era em que as gravadoras perderam a força– que poucos tenham conhecido o 14º disco de estúdio dos Titãs, o melhor do grupo em décadas e um dos melhores discos do rock nacional em muito tempo.

Pesado tanto no som quanto na temática das letras, remete à fase áurea da banda, na época do "Cabeça Dinossauro" –que, a propósito, está completando 30 anos.

O disco reenergizou os Titãs, que se lançaram à estrada em sua melhor turnê desde que a banda perdeu metade de sua formação clássica, com as saídas de Arnaldo Antunes, Nando Reis, Charles Gavin e a morte de Marcelo Fromer.

Pena que Miklos e seus companheiros não tenham feito uma despedida pública no palco, avisando a plateia que ela havia assistido ao fim de uma era da banda –meio como David Bowie fez ao "matar" seu alter-ego Ziggy Stardust em cena, por exemplo.

De qualquer modo, sair de cena após um grande show de rock, em uma turnê memorável como a de "Nheengatu", é mesmo a melhor maneira de se despedir. Diversão, como cantava Miklos, é solução sim.

*

REPERTÓRIO DO SHOW

"Lugar Nenhum"
"Aluga-se"
"AA UU"
"Diversão"
"Pra Dizer Adeus"
"A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana"
"O Pulso"
"Sonífera Ilha"
"Comida"
"Fardado"
"Cadáver Sobre Cadáver"
"Chegada Ao Brasil (Terra à Vista)"
"Cabeça Dinossauro"
"Epitáfio"
"Go Back"
"Marvin"
"Televisão"
"Homem Primata"
"Polícia"
"Bichos Escrotos"
"Desordem"
"Flores"
"Igreja"


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